quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Equidna, a mãe dos monstros







De alma violenta, Equidna tinha o corpo metade jovem mulher, de lindas faces e olhos cintilantes, e a outra metade, uma enorme serpente malhada e cruel. Vivia nas profundezas da terra, numa caverna, distante dos deuses e dos homens. 

Outras tradições dizem que tinha morada no Peloponeso e divergem bastante quanto à sua origem, mas segundo Hesíodo, era filha de Forcis e Ceto, neta de Ponto e Gaia. Em outras versões dizem que ela foi gerada da união de Tártaro e Gaia.

Equidna, em função da própria monstruosidade, casou-se com o horrendo deus Tifão, tornando-se a mãe de todos os monstros:
  • Cérbero, o cão de três cabeças, que guardava o Hades
  • Ortros, o cão de guarda de Gerião, de duas cabeças
  • Hidra de Lerna
  • Quimera, morta por Belerofonte
  • Ládon, o dragão de cem cabeças
  • Scylla, monstro da lenda de Odisseu
  • Dragão da Cólquida, que guardava o velocino de ouro
  • Dragão que guardava o jardim das Hespérides
  • Ethon, a águia que comia o fígado de Prometeu.

Com seu filho Ortros, Equidna concebeu o Leão de Neméia e Fix ou Sfix, a Esfinge de Tebas, derrotada por Édipo. Segundo uma lenda, ela se uniu a Héracles numa passagem do herói pela Cítia, concebendo desta união Agatirso, Gélon e Cites, que deu origem aos Citas.

Equidna e suas crias possuíam uma natureza terrível e adoravam devorar viajantes inocentes. Um dia, enquanto dormia, foi surpreendida por Argos Panoptes, o monstro de cem olhos, que a matou a pedido de Hera. 

Algum tempo depois, quando Argos morreu, Hera o transformou de monstro a um lindo e exuberante pavão real, com suas penas marcadas pelos olhos de Argos Panoptes, em reconhecimento pela grande tarefa cumprida.


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O mito de Equidna representa as duas faces humana: uma que é mostrada ao mundo, bonita e sedutora, que corresponde à parte superior. No entanto, cada pessoa sabe que possui uma parte inferior, medonha e cruel, que o angustia.

Os filhos de Equidna eram seres monstruosos e também nossa mente pode criar seres monstruosos, que vivem a nos torturar.
Vencer esse mal, que pode nos consumir, depende muitas vezes de nos observarmos e estarmos atentos ao olharmos os outros. 

Equidna foi morta pelo monstro Argos que tinha cem olhos; é através do que vemos nos outros que podemos nos conhecer melhor e assim exterminarmos todos os monstros que habitam escondidos em nosso inconsciente. O que detestamos nos outros é exatamente o que detestamos em nós mesmos, projetado nos outros.

Os filhos de Equidna foram vencidos pelos grandes heróis, com a força de sua mente e inteligência. Podemos ser os heróis de nossa própria história, quando conseguimos derrotar as crenças negativas que nos aprisionam e as opiniões dos outros que nos diminuem. É sabermos equilibrar nossos desejos e não nos deixarmos seduzir pelas grandes paixões que nos consomem e nada realizam.




segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Asclépio, deus da medicina





Não havia donzela mais formosa em toda Tessália do que Corônis. Apolo apaixonou-se por ela e conceberam um filho, mas durante a gestação ela se apaixonou por um mortal, o jovem Ischys. Quando Apolo soube da traição, sentenciou Corônis à morte. No momento em que ela estava sendo colocada sobre a pira para ser queimada, Apolo arrancou do seu ventre o menino ainda vivo; assim nasceu Asclépio confiado ao centauro Kiron que lhe ensinou a medicina.

Asclépio crescia e com o tempo adquiriu uma grande habilidade na medicina, descobrindo uma maneira de ressuscitar os mortos tornando-se o Deus da medicina. Ele recebeu de Atenas o sangue vertido das veias da Górgona Medusa que continha o violento veneno do lado esquerdo e o sangue do lado direito que era salutar; Asclépio o utilizava para devolver a vida aos mortos.

Asclépio apaixonou-se por Epione, que se tornou deusa da anestesia, aliviando as dores. Tiveram os filhos:
  • Machaon (cirurgião) e Podaleirus ou Podalirio (o dom do diagnóstico e da psiquiatria) que foram os médicos dos gregos na Guerra de Tróia;
  • Telésforo - o pequeno gênio da convalescença,
  • Panaceia - a deusa dos medicamentos e ervas medicinais,
  • Iaso - deusa da cura,
  • Áceso - deusa dos cuidados e enfermagem,
  • Aglaea - deusa dos bons fluidos, boa forma e beleza natural, e
  • Hígia ou Higeia - deusa da prevenção das doenças, que deu origem ao termo Higiene (limpeza, higiene e saneamento).
Mas a maestria de Asclépio tornou-se perigosamente grande e começou a ressuscitar os mortos. Temendo que Asclépio revertesse a ordem do mundo passando esse conhecimento aos homens, Zeus o matou com um raio. Apolo colocou o seu filho entre as estrelas como a constelação do Serpentário, o Ophiucus e o divinizou. Assim Asclépio é um Deus que não está no Olimpo nem habita o Hades, mas caminha entre os homens ensinando a medicina e aliviando-os das doenças.



Os atributos de Asclépio eram as serpentes enroladas em um bastão, o caduceu, que se transformou no símbolo da medicina. As serpentes eram consagradas a Asclépio, provavelmente devido à superstição de que aqueles animais têm a faculdade de readquirir a juventude, mudando de pele. Também são a sua epifania - a inspiração divina - e está presente espírito dos médicos e profissionais de saúde, estimulando a um conhecimento do corpo humano e também das ervas e drogas.

Havia numerosos oráculos de Asclépio. O mais célebre era o de Epidauro no Peloponeso, onde se desenvolveu uma verdadeira escola de medicina, cujas práticas eram sobretudo mágicas. Os enfermos procuravam respostas e cura para suas enfermidades dormindo no templo. Pelas descricões deduz-se que o tratamento aplicado constituia o que hoje se chama magnetismo animal ou mesmerismo.

O culto a Asclépio, chamado Esculápio pelos romanos, foi introduzido em Roma por ocasião de uma grande epidemia, quando se enviou uma embaixada ao templo de Epidauro para implorar a ajuda do deus. Esculápio mostrou-se propício e, quando o navio voltou, acompanhou-o sob a forma de uma serpente. Chegando ao Tibre a serpente desceu do navio e tomou posse de uma ilha no rio onde foi erguido um templo ao deus. Teve muito prestígio no mundo antigo quando seus santuários converteram-se em sanatórios.

A arte da cura e da medicina era praticada pelos Asclepíades. O mais célebre deles é Hipócrates, (470-377 aC) que nasceu em Kós, fundador da ciência grega da medicina. Para Hipócrates, a moderação é o que proporciona uma vida sã. Quando surge uma doença, é porque a natureza está em desequilíbrio físico ou psíquico. A receita da vida saudável é a moderação, a harmonia: Mens sana in corpore sano - mente sã em um corpo são.



sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Eneias, um mito de origem da Itália




Na Guerra de Troia, Eneias foi um corajoso guerreiro troiano que recebia a proteção dos deuses. Filho de Afrodite e Anquises, sua mãe o salvou na luta com Diomedes e Poseidon o salvou da morte na luta com Aquiles. Com a queda de Troia, sua mãe o aconselhou a deixar a cidade levando consigo sua família, pois estaria reservado a ele o destino de fazer reviver a glória troiana em outras terras.

Sob a proteção de Afrodite, Eneias deixou a cidade de Troia que foi incendiada pelos gregos junto com vários soldados, sua esposa Creusa, o filho Iulo ou Ascânio e seu velho pai Anquises que ele carregou nas costas. Porém durante o caminho sua esposa desapareceu sem deixar vestígios e ele embarcou em um navio navegando pelo Mar Mediterrâneo em busca de uma nova pátria. 

Na Ilha de Delos o oráculo o aconselhou a seguir para a terra de seu primeiro antepassado. Somente seu pai Anquises poderia guiá-lo através dessa viagem à procura das terras do Rei Teucro que vivera em tempos remotos na Ilha de Creta, cuja filha Bátia se casara com Dárdano pai do Rei Tros, fundador de Troia.

Ao aportar em Creta, imediatamente eles começaram a construir a cidade de Pergamo; lavraram a terra e semearam. Quando tudo parecia brotar, inesperadamente uma seca arruinou as colhetas além de desencadear uma epidemia. Anquises interpretou isto como um sinal evidente da desaprovação divina e aconselhou Eneias a voltar ao templo de Apolo para receber novas instruções do oráculo.

Na véspera da partida Eneias recebeu a instrução de que deveria ir ao local de origem de Dárdano, antes chamado Hespéria e hoje a Itália. Anquises lembrou-se da profecia de Cassandra de que uma nova Troia seria erguida na Hespéria. Na época todos achavam que ela estava louca, mas agora tudo fazia sentido.

Prosseguindo a viagem eles enfrentaram muitas dificuldades, inclusive o ataque das Harpias que eram mulheres vampiras com o corpo metade humana-metade pássaro. Fugindo delas eles chegaram a Épiro, nas terras de Heleno e tiveram instruções para seguir viagem. Quando chegaram à ilha do Ciclope Polifemo, salvaram Aqueménides que se perdera dos Argonautas. Anquises que já era bem velho, morreu antes deles deixarem a Sicília.

A partir daquele instante Eneias não poderia contar com a experiência de seu pai. Aportando em Cartago, Eneias se tornou amante de Dido, rainha e fundadora da cidade africana. Porém não era ainda esse o seu destino final. Hermes, enviado por Zeus, o aconselhou a partir daquela cidade e ir em busca da construção de sua nova cidade.

Ao aportar na Itália Eneias foi para o Lázio onde Latino, rei do Lázio, ofereceu-lhe terras e a mão de sua bela filha Lavínia. Ela era prometida a Turno, Rei dos Rútulos, porém havia uma profecia que Lavínia deveria casar-se com um estrangeiro para assim dar origem a uma raça poderosíssima que governaria o mundo.

Vendo-se na iminência de perder a princesa prometida e em consequência o reino, Turno declarou guerra a Eneias e aos seus troianos. Porém o Rei Latino interviu, sugerindo um combate apenas entre Eneias e Turno. O vencedor se casaria com Lavinia. Eneias venceu Turno e casou-se com Lavinia. No entanto abdicou do trono a favor do seu filho Iulo e voltou para reconstruir Troia.

Após a morte de Eneias seu filho Iulo fundou Alba Longa. Seus descendentes foram reis sucessivos e quase 400 anos depois Reia Silvia, filha de descendentes de Eneias, deu a luz aos gêmeos Rômulo e Remo que fundariam Roma no ano 753 a.C. Assim como havia sido previsto por Afrodite, nasceria o Grande Império Romano.

Versão dada por Virgilio em sua obra Eneida, e por Ovídio e Tito Lívio. 




quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Tântalo - Quem tudo quer, tudo perde


Tântalo, filho de Zeus e de Plota, era rei da Frígia. Muito querido entre os deuses, frequentemente era convidado a partilhar das suas refeições no Olimpo. Durante um desses banquetes, Tântalo abusou da confiança dos deuses roubando-lhes um pouco de nectar e ambrosia, alimentos que davam a imortalidade, porém um privilégio somente do Olimpo. Era casado com Dione e tinha três filhos: Níobe, Dascilo e Pélops.

Tântalo, julgou que também era um deus poderoso e convidou os deuses para um jantar em sua casa, servindo-lhes como refeição, o seu próprio filho Pélops em pedaços, para testar a divindade dos deuses. Os convidados deram conta do crime de Tântalo, mas Deméter comeu o ombro de Pélops. Zeus ordenou que o corpo de Pélops fosse atirado a um caldeirão, onde Cloto, uma das Moiras, lhe devolveria a vida, substituindo o ombro por um marfim.

Tântalo foi condenado ao suplício de fome e de sede eternas. Mergulhado em águas até ao pescoço, quando ele se debruçava para beber água, esta desaparecia. Por cima de sua cabeça, pendiam ramos de árvores com frutos saborosos, porém o vento retirava do seu alcance sempre que tentava apanhá-los. O aviso dos deuses ficou na memória de todos: todo ser humano que provar da ambrosia dos deuses seria condenado ao suplício de Tântalo.

A família de Tântalo e seus descendentes foram amaldiçoados. Sua filha Níobe que tivera 7 pares de gêmeos, perdeu todos os filhos devido a doenças terríveis. De tanto chorar ela se transformou numa gruta de pedras de onde descia uma cachoeira de água salgada. Depois de resuscitado, Pélops foi entregue a Poseidon que o criou até tornar-se um grande herói. Porém a profecia dizia que ele se tornaria um rei, mas jamais se livraria da maldição lançada sobre todos os descendentes de Tântalo.

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O mito do suplício de Tântalo reflete o sofrimento daquele que deseja algo aparentemente próximo, porém é inalcançável, a exemplo do ditado popular - " Tão perto e ainda assim, tão longe ". Ainda que tenhamos condições de conquistar algo mais do que temos, não devemos esquecer da nossa condição mortal e de nossos limites.

Muitas vezes sacrificamos o que temos em função de sonhos desmedidos e desejos do nosso ego, arriscando a perder tudo o que já conquistamos, e só então poderemos dar valor a tudo o que tivemos algum dia. E ainda podemos estender aos nossos descendentes a irresponsabilidade pelos nossos atos no presente.

Hermafrodito e os opostos da vida



Hermafrodito era fruto de um romance adúltero entre Hermes e Afrodite, por isso ele foi criado pelas Ninfas das florestas da Frídia se tornando um jovem de extraordinária beleza. Ele não se interessava pelas mulheres, apenas queria viajar para conhecer o mundo e aventurar-se por terras desconhecidas.

Em uma de suas viagens parou para descansar à beira de um lago. A Ninfa Salmácis que reinava sobre aquelas águas apaixonou-se por ele e logo tendo-o visto, tentou seduzí-lo mas Hermafrodito não se deixou envolver pelos seus encantos. Sálmacis tentava obter o amor do rapaz por todos os meios, mas nada conseguia.


Remoída pelo despeito e consumida pelo desejo que cada dia se tornava mais intenso, Salmácis ficava de longe espiando entre as folhagens. Certo dia Hermafrodito resolveu se banhar nas águas. Quando Salmácis o viu dentro de seus domínios, despiu-se e entrou nas águas abraçando Hermafrodito. Aderindo ao corpo dele, ordenou às águas que os unisse para sempre e que jamais seus corpos se separassem.
Imediatamente as águas se agitaram e começaram a girar em volta deles.

Embora Hermafrodito tentasse se afastar, uma atração além de suas forças fez com que seu corpo se aderisse cada vez mais ao corpo da Ninfa. Subitamente ele compreendeu a intensidade do amor que ela sentia, um amor que se infiltrava por sua pele e invadia seu organismo. Assim ele deixou que seu corpo se fundisse ao corpo de Sálmacis até que os dois se transformaram em um único ser.


O momento da fusão definitiva causou-lhe êxtase tomando-lhe os sentidos, sendo homem e mulher, participando de uma única natureza, em equilíbrio, perfeito e completo, em um só ser ao mesmo tempo sendo dois. E assim ordenou que todos aqueles que se banhassem naquele lago, poderiam se tornar macho e fêmea, em um só corpo. Porém os homens evitavam de banhar-se naquele lago temendo perder a sua virilidade.

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O mito de Hermafrodito é a imagem da experiência de sermos inteiros e completos. O masculino e feminino representam muito mais do que simples identificações do corpo; são as grandes polaridades que circundam todos os opostos da vida. É o símbolo da integração em potencial dos opostos dentro de uma personalidade.
A partir do instante de nascimento, o potencial de integração está presente em cada um de nós: da intuição e da expressão, da mente e do sentimento, do relacionamento e da solidão, do conflito e da harmonia, do espírito e da matéria. Todos estes opostos continuamente lutam dentro de nós e por causa dessa batalha, moldam a nossa personalidade.

Somos humanos e por isso mesmo imperfeitos. Em alguns momentos nos conscientizamos dos elementos conflitantes de nossa personalidade, eles se aquietam numa resolução interna para a trégua e a paz pode ser sentida. Mas quando nos deparamos com esses opostos da vida dentro de nós e negamos a existência do conflito, reprimindo-os, os jogamos no inconsciente. O que dele sobra, projetamos nos outros ou em qualquer coisa externa, dispendendo energia para lutar contra algo que na verdade está apenas em nós mesmos.

É um estado de ambivalência, parte da condição humana que poucos tem a coragem de admitir.
Assim, quando conseguimos compatibilizar o consciente e o inconsciente, numa viagem de descoberta dos opostos, completamos algo e nos sentimos reconfortados pela sensação de ter atingido um objetivo e um novo desafio começa a surgir. Continuamente vamos mudando, nos movimentando na direção da totalidade, sem jamais atingi-la, exceto de maneiras sutis e imperceptíveis.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Deucalião e Pirra




Zeus estava espantado com o ódio instaurado entre a humanidade e decidiu exterminar a espécie humana, certo de que esta fora o maior erro que os deuses haviam cometido. Convocado o conselho dos deuses, todos obedeceram e tomaram o caminho do palácio do céu. Esse caminho pode ser visto no céu em todas as noites claras, a chamada Via Láctea. Ao longo dele se acreditavam estar os palácios dos deuses.

Dirigindo-se à assembleia reunida, Zeus expôs as terríveis condições que reinavam na Terra e anunciou que iria destruir todos os homens e criar uma nova raça que fosse mais digna de viver e que soubesse melhor cultuar os deuses. Pensou em destruir com seus raios, mas percebeu que também colocaria em perigo os próprios deuses. Então Zeus decidiu inundar a terra.

O vento norte que espalha as nuvens foi encadeado. O vento sul foi solto e em breve cobriu todo o céu com uma escuridão profunda. As nuvens, empurradas em bloco, romperam-se. Torrentes de chuva caíram. As plantações inundaram-se. Pediu ajuda ao seu irmão Posseidon e este soltou os rios e lançou-os sobre a Terra. Sacudia-a com terremotos lançando o refluxo dos oceanos sobre as praias. Rebanhos, animais, homens, casas e templos foram tragados pelas águas.

De todas as montanhas, apenas a do Parnaso conseguiu ficar acima das águas. Nele o barco de Deucalião - o mais justo dos homens - e Pirra - a mais virtuosa das mulheres - encontrou refúgio. Zeus viu que apenas eles haviam sobrevivido e cessou a tempestade. Poseidon retirou as suas águas.

Em segurança, Deucalião e Pirra dirigiram-se aos deuses para saber como poderiam repovoar a terra criando uma nova raça. Entraram no templo ainda coberto de lama e rogaram à deusa que os esclarecesse sobre a maneira de agir naquela situação. O oráculo respondeu: - Saiam do templo com a cabeça coberta e as vestes desatadas e atirai para trás os ossos de vossa mãe - respondeu o oráculo.

Pirra ficou confusa com o que o oráculo disse. Deucalião pensou seriamente e chegou à conclusão de que se a Terra era a mãe comum de todos e as pedras seriam os seus ossos. Assim resolveram tentar. Velaram o rosto, afrouxaram as vestes, apanharam as pedras e atiraram-nas para trás. As pedras amoleceram e começaram a tomar forma humana. As pedras atiradas pelas mãos do homem tornaram-se homens e aquelas atiradas pelas mãos da mulher tornaram-se mulheres.

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O mito de Deucalião e Pirra faz referência ao dilúvio, presente em quase todas as religiões e que retrata destruição do mundo devido à decadência dos valores humanos. Mas também revela que apesar das turbulências que possamos experimentar na vida, mesmo em meio ao caos, as nossas virtudes servem para que possamos nos reerguer. E com confiança, deixando todas as tristezas no passado, faremos germinar novas fontes de sabedoria que irão repovoar nossa consciência.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Orfeu e Eurídice



Orfeu era poeta e músico, filho da musa Calíope e de Eagro, rei da Trácia. Era o músico mais talentoso e quando tocava sua lira que lhe fora presenteada por Apolo, os pássaros paravam de voar para escutar e os animais selvagens perdiam o medo. As árvores se curvavam para pegar os sons no vento.

Ele foi um dos os argonautas que ajudou Jasão na viagem
para buscar o Velocino de Ouro. Durante a ida, acalmava os tripulantes. Durante a volta, Orfeu salvou os outros tripulantes quando seu canto silenciou as sereias, responsáveis pelos naufrágios de inúmeras embarcações.

Orfeu apaixonou-se por Eurídice e casou-se com ela. Enquanto Orfeu tocava feliz a sua lira, ela dançava e cantava
nos bosque, aguardando por sua noite de amor. Mas Eurídice era tão bonita que, em pouco tempo atraiu um apicultor chamado Aristeu. Quando ela recusou suas atenções, ele a perseguiu e tentando escapar, ela tropeçou em uma serpente que a picou e a matou. A tão esperada concretização do seu casamento não se realizou.

Orfeu ficou transtornado de tristeza e levando sua lira, resolve empreender uma viagem ao Mundo dos Mortos para
tentar trazê-la de volta. Caminha por muitos dias e noites em florestas e encostas íngremes. Sua voz fraca e o luto amargo, comprometem a comunicação com as pessoas. Orfeu chega à entrada dos infernos, a gruta que fica ao pé do monte Tênaro.

Afastando-se da luz, ele penetra as sombras e mergulha acompanhado pela paixão, na trilha repleta de frio e silêncio.
Orfeu canta na solidão, quando avista o rio Estige. Ao avistar o barqueiro Caronte , condutor de almas, Orfeu pede que o transporte em busca da amada, mas ele nega alegando não conduzir vivos. A canção pungente e emocionada de sua lira convence o barqueiro Caronte a levá-lo pelo rio Estige.

A canção da lira adormece Cérbero, o cão de três cabeças que
vigiava os portões. Sua melodia alivia os tormentos dos condenados e encanta os monstros do caminho. Quando finalmente Orfeu chega ao trono de Hades, o rei dos mortos fica irritado ao ver que um vivo tinha entrado em seu domínio, mas a agonia na música de Orfeu o comove, e ele chora lágrimas de ferro. Sua esposa, a deusa Perséfone, implora que atenda o pedido de Orfeu. Assim, Hades atende seu desejo.

Eurídice poderia voltar com Orfeu ao mundo
dos vivos, porém com a condição de que não olhasse para ela até que estivessem à luz do sol. Orfeu parte pela trilha íngreme tocando músicas de alegria e celebração guiando a sombra de Eurídice de volta à vida. Porém, perto da saída do túnel escuro, desconfiado de que pudesse ter sido enganado por Hades, ele se vira para certificar-se de que era Eurídice que o seguia. Por um momento ele a vê mas aos poucos ela vai desaparecendo, e apesar de gritar seu nome, ele a perde para sempre.

Em total desespero, Orfeu passou a vagar pelo mundo. Tornou-se triste e
passou a exercer o Orfismo, uma espécie de serviço de aconselhamento, em que ele ajudava a outros com seus conselhos, mas não conseguia resolver seus próprios problemas.

Recusava-se a olhar para outras mulheres, até que furiosas por terem sido desprezadas, um grupo de mulheres
selvagens e frenéticas, chamadas Mênades, o atacaram atirando dardos. Os dardos de nada valiam contra a sua música mas elas, abafando sua música com gritos, conseguiram atingi-lo e o mataram. Depois despedaçaram seu corpo e jogaram sua cabeça cortada no rio Hebro, que flutuava cantando, "Eurídice! Eurídice!"

As nove musas, Calíope e suas
irmãs, reuniram seus pedaços e os enterraram no monte Olimpo, e desde então, os rouxinóis cantaram mais docemente que os outros, pois assim Orfeu, na morte, se uniu à sua amada Eurídice.

Às Mênades, que tão cruelmente mataram Orfeu, não foi concedida a misericórdia da morte. Quando elas bateram os
pés na terra em triunfo, sentiram seus dedos entrarem no solo. Quanto mais tentavam tirá-los, mais profundamente eles se enraizavam até que elas se transformaram em silenciosos carvalhos. E assim permaneceram pelos anos, batidas pelos ventos furiosos que antes se emocionavam ao som da lira de Orfeu.

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O Mito de Orfeu e Eurídice mostra que tudo o que fazemos nasce de um desejo, de um propósito ou uma promessa. No entanto, a concretização pode ser comprometida pela impulsividade e pela imprudência. Muitas vezes na vida nos desviamos dos nossos objetivos porque nos deixamos distrair, o que pode levar ao encontro com a Serpente, que pode destruir tudo o que havíamos construído antes.

O Mito mostra que a parte atingida de Eurídice foram os pés, simbolo de que só podemos caminhar quando temos a
prudência de sabermos por onde estamos andando. Alguns caminhos podem nos levar aos lugares onde o sofrimento estão nos esperando, e os quais podemos evitar usando a consciência. Tantos heróis como Aquiles, Hércules e Édipo também se perderam após serem atingidos nos pés, por causa de sua distração e vulnerabilidade, relacionados ao signo de Peixes.

É próprio do ser humano tornar-se inconsolável diante das perdas e assim como Orfeu, é natural tentar se recuperar
das perdas. Podemos nos recusar a seguir adiante na vida perseguindo um objetivo fracassado ou não aceitando acontecimentos inevitáveis, como a morte por exemplo, algo que já foi e que não retornará; ou dedicarmos a ajudar a outros que sofrem, no entanto, não conseguiremos a apagar o nosso sofrimento.

O que podemos buscar é apenas uma nova oportunidade, porém há uma condição: assim como Orfeu, não podemos voltar para trás, para o passado. É preciso confiar que mais adiante encontraremos as respostas para aplacar nossa dor, quando atingirmos a luz da consciência. Mas se não cumprirmos essa condição, nossa dor pode se tornar maior e nos destruir, e estaremos fadados a permanecer eternamente num tempo que não volta mais.

Teseu



Teseu, o grande herói, tornou-se rei da Ática depois de derrotar o terrível Minotauro, casando-se com Ariadne que o ajudou quando lhe deu o novelo de lã que lhe permitiu sair ileso da caverna. No entanto, ele a abandonou e tornou-se infortunado no amor. De sua apaixonada ligação com a rainha das Amazonas, que teve um fim trágico, nasceu Hipólito.

Enquanto o filho crescia, Teseu casou-se com Fedra, irmã de Ariadne. Hipólito se tornou um belo rapaz, forte e majestoso. Fedra se interessou pelo rapaz fazendo de tudo para realizar a paixão arrebatadora pelo enteado. No entanto, ele sempre a repudiava. Diante da recusa, Fedra se enforcou deixando uma carta relatando a Teseu que havia sido seduzida por seu filho Hipólito.


Teseu convencido do relato da esposa morta, e ainda tomado pela inveja profunda do filho que ameaçava suplantá-lo por sua beleza e bravura, expulsou Hipólito de seu reino, lançando sobre ele uma maldição. Quando Hipólito dirigia sua carruagem pela estrada costeira, do mar veio uma onda gigantesca trazendo um touro-marinho que assustou os cavalos e que fêz lançar Hipólito sobre os rochedos que veio a cair morto.

Quando Teseu recebeu o corpo destroçado do rapaz, toda a verdade lhe foi revelada. A partir disso a sorte de Teseu o abandonou. Sem o seu filho que teria herdado o trono, Teseu se entregou à pirataria e ao tentar raptar a rainha do inferno, foi aprisionado e atormentado. Quando conseguiu retornar ao seu reino, foi traído e atirado ao mar, do alto de um rochedo.


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O mito de Teseu representa aqueles que envelhecem e sentem inveja da juventude; o antigo ou tradicional combatendo o novo que surge. Muitos pais desejam o melhor para seus filhos porém sentem insegurança quanto ao melhor desenvolvimento deles temendo que possam ser superados. Da mesma forma agem os antigos profissionais que se recusam a transmitir seus conhecimentos e experiência para os mais jovens, temendo que eles possam substituí-los.

Assim também são os antigos conceitos que buscam uma desculpa para destruir as novas ideias e os novos paradigmas que se apresentam. A grande generosidade é permitir e aceitar com elegância, por mais injusto que seja, que a vida privilegia os jovens e as novidades.

É preciso o despreendimento e ter confiança de que a experiência e sabedoria adquiridas jamais serão suplantadas e são valiosas para as novas gerações. Essa inveja inconsciente é danosa para que os jovens possam explorar seu potencial, como também para que o mundo possa experimentar novos conceitos que permitirão uma evolução mais criativa da humanidade.

Hefesto e a aceitação incondicional




Zeus e Hera conceberam o filho Hefesto, que infelizmente nasceu feio e deformado. Seus pés tortos e seus quadris deslocados, faziam do seu caminhar um motivo de riso no Olimpo. Sua mãe Hera considerada uma das mais belas deusas e tão grandiosa sinta-se envergonhada de ter produzido tão horrenda criatura.

Tentando livrar-se do filho, atirou-o do alto do Olimpo para que ele morresse no mar. Porém Tétis, a rainha dos oceanos, o salvou. Durante alguns anos o menino passou escondido sob as águas, mas Hefesto revelou grande talento como forjador inventando engenhosos objetos de ferro e ouro. Ainda se sentia muito magoado pelo modo que sua mãe o havia tratado e assim planejou uma vingança.

Certo dia Hefesto esculpiu e decorou um lindo trono de ouro e mandou o presente para Hera. Encantada com o presente ela nem quis saber de quem era o presente e sentou no trono. Subitamente foi agarrada por mãos invisíveis. Em vão os deuses tentavam soltá-la, mas as mãos revelaram que somente obedeceriam a Hefesto. Somente ele poderia soltá-la.

Os deuses recorreram a Hefesto, mas ele se recusava a atendê-los. Só cedeu aos apelos diante de uma exigência: que tivesse
como esposa a mais linda das deusas e que ele pudesse morar no Olimpo. Para salvar-se, Hera atendeu o pedido do filho. Assim ele se tornou o ferreiro dos deuses e pacificador entre os imortais.


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O mito de Hefesto nos recorda da dívida indestrutível da aceitação incondicional que deve haver entre os seres humanos. Muitas vezes as pessoas são rejeitadas por não corresponderem às expectativas dos outros, por não serem iguais a eles, por não terem os mesmos interesses e aptidões ou até mesmo por apresentarem alguma deficiência física. No entanto, cada pessoa possui e pode surpreender a todos com a sua capacidade de produzir grandes obras usando de seu talento próprio. 

Muitos pais rejeitam os filhos por eles não terem os mesmos interesses, por pensarem diferente ou por agirem de modo
diferente da família. Grupos rejeitam aqueles que pensam diferente. Culturas rejeitam outras. Religiões são intolerantes com outras. A sociedade capitalista rejeita os pobres. Raças rejeitam outras raças . E assim segue uma lista interminável de rejeições.

Reconhecer que o preconceito que nos abraça nos distancia do contato amoroso com os outros, é a oportunidade de criar laços de amor, superando conflitos, mágoas e diferenças. É oferecer o melhor de nós mesmos, compreendendo que os outros podem nos proporcionar grandes alegrias e expressões de afeto.

Apesar dos outros não corresponderem à imagem que desejamos e esperamos,  podemos aprender muito com eles. Embora não seja possível mudar as pessoas e nem algumas circunstâncias, podemos mudar o nosso modo de pensar. Também podemos aprender que os nossos pensamentos podem nos aprisionar.

Vencer pensamentos negativos e derrotistas nos ajudam a enfrentar problemas do cotidiano, tornando a nossa vida mais simples e mais feliz, mas também a lidar mais racionalmente com a raiva, fobias, ataques de pânico, ansiedade, depressão, insônia, frustrações, estresse. Pode ser ainda muito eficaz para nos ajudar desafios, vícios, dependência de drogas, disfunção sexual e problemas de relacionamento.




segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Constelação de Orion



Na ilha de Delos, Órion caçava em companhia de Ártemis, mas Apolo seu irmão, não aprovava o romance. Um dia Apolo mandou o Escorpião Celestial matar Órion. Quando o caçador percebeu que não conseguiria vencer o monstro, se jogou no mar e saiu nadando, armado de uma espada e de sua clava, acompanhado por Sírius, seu cão, que faz parte da constelação Cão Maior.

Imediatamente, Apolo foi à casa de sua irmã, e a desafiou a acertar uma pequena e distante mancha no mar. Ártemis era eximia atiradora e acertou o ponto no mar. Quando as ondas chegaram à praia, trouxeram o corpo de Orion. Inconsolável, Ártemis o transformou em uma constelação.


Na Grécia, quando a constelação de Órion se põe a oeste no mar, o Escorpião surge no leste, repetindo diariamente o momento em que Órion encontra o monstro e se joga no mar. Orion se tornou uma das constelações mais bonitas do firmamento, e para que Ártemis não o perdesse nos céus, ele levou em seu cinturão as estrelas Mintaka, Alnilan e Alnitaka, conhecidas popularmente por "Três Marias".





A constelação de Orion faz parte dos segredos das Pirâmides do Egito. A conclusão é que as lendas egípcias apontam para a localização do mundo dos mortos no céu, numa constelação, e que as pirâmides representariam as suas estrelas mais importantes. A melhor evidência da teoria do culto de Órion é a comparação das três maiores pirâmides de Gizé com o chamado cinturão de Órion, conhecidas em nossa cultura como as "Três Marias". Osíris tinha como representação a constelação Sah, que de acordo com pesquisadores seria a de Órion. Sendo assim, as pirâmides foram posicionadas como uma imitação da constelação na Terra. Na constelação de Orion também estão as estrelas mais brilhantes do céu:
  • Betelgeuse (o portal da casa de Deus) a 28°52' de Gêmeos;
  • Rigel (o pé esquerdo de Orion) a 16°57' de Gêmeos
  • Bellatrix a 21°04' de Gêmeos
  • Saiph (espada do gigante - em árabe).

Medusa, a vingança e o rancor



Medusa, junto com suas irmãs, Stheno e Euryale eram filhas dos Titãs do mar, Porcys e Ceto. A Medusa Algol era a mais jovem, mais bonita e também a única mortal entre as três. Diziam terem sido extremamente sábias; todas elas serviram como sacerdotisas para Athena, a deusa virgem da sabedoria. Porém Poseidon, o deus do mar, teria seduzido Medusa no templo de Athena e elas teriam se tornado vingativas e rancorosas a respeito dos homens.

Athena transformou Medusa e suas irmãs em bestas horrorosas, com pele escamosa, asas e um cabelo formado por serpentes enroladas. Medusa era a única mortal. Todos aqueles que miravam em seus olhos, se tornavam petrificados. Medusa vivia em uma caverna e foi decapitada por Perseu.

Crisaor e Pegasus eram filhos da Medusa e nasceram quando a Medusa foi decapitada. Crisaor tem este nome porque já nasceu com uma espada de ouro. Unindo-se a Calírroe, nasceu o filho Gerião com três cabeças, que foi morto por Héracles. Também foi o pai de Equidna, o terrível monstro que era metade mulher, metade serpente. Pegasus era um cavalo alado que acompanhou Perseu e Belorofonte nas suas aventuras.

Vide: mitologia grega: Perseu e a Medusa - Click aqui


Medusa era trágica e solitária; petrificava com apenas um olhar. Tirava a vida com o movimento do olhar e também não
podia ser vista de frente, pois causava ao aventureiro uma paralisação. O sangue que escorreu de Medusa foi recolhido por Perseu. Da veia esquerda saia um poderoso veneno; da veia direita um remédio capaz de ressuscitar os mortos. Ironicamente, Medusa trazia dentro de si o remédio da vida, mas não o sabia usar, sempre usou o veneno da morte.

Medusa é o símbolo da mulher rejeitada, e por isso, incapaz de amar e ser amada. Odeia os homens na figura do deus que a seduziu e a abandonou. Também odeia as mulheres por ter sido transformada de uma bela mulher a um terrível monstro. Sua condição de monstro é fruto da vingança; por culpa de um homem deus e uma deusa mulher. Medusa é a própria infelicidade e seus filhos não são humanos nem deuses.

As gorgonas são símbolos do inimigo a combater, as deformações monstruosas da psique, forças pervertidas das três pulsões do ser humano: a sociabilidade, a sexualidade e a espiritualidade. A dificuldade em perceber a própria imagem traz a dúvida que atormenta grande parte da humanidade: Quem sou eu? É a grande questão do ser humano que nunca se pergunta: O que eu não sou?

Incapazes de mostrar uma imagem positiva, as pessoas erram pela vida alinhando possibilidades para construir a sua própria monstruosidade. Assim como os filhos de Medusa, herdam da mãe a figura monstruosa, apesar de serem também filhos de um deus. Em Pegasus há os dois sentidos, a fonte e as asas, símbolo da inspiração poética que representa a fecundidade e a criatividade espiritual. Pegasus talvez represente o melhor lado da Medusa, que ficava escondido e não podia ser visto, pois ela representava a pulsão espiritual estagnada, e Pegasus, a espiritualidade em movimento.

Com uma autoimagem distorcida, algumas pessoas agem como filhos da Medusa, não conseguem ver a si mesmos como são, e sempre se imaginam bem piores do que poderiam ser. Alguns autores falam que a autoimagem origina-se no olhar que um filho recebe da mãe. A forma como a criança é olhada e vista, o que ela percebe de rejeição ou aprovação é captado no olhar da mãe. São como os tristes filhos de Medusa que não podem vê-la e também não podem ser vistos por ela. É a mãe que não dá carinho ao filho e seu olhar os paralisa.

Medusa incorpora a personalidade de estrutura depressiva, ela não gera filhos felizes, apenas trágicos. Medusa não olha, não acaricia, não orienta; paralisa. Não é por acaso que o sentimento da depressão é a inércia, a perda da vitalidade. Como se tivessem transformados em pedra pelo olhar da mãe, os que se sentem filhos da Medusa, erram pela vida sem espelhos que traduzam a sua real imagem. São pessoas desprovidas de afeto com uma enorme necessidade de carinho, que no entanto não suportam proximidade, uma vez que não confiam em ninguém, pois não acreditam que podem ser amados e sentem-se como monstros. Falam de mães ocupadas, mães vaidosas e ressentidas da perda da beleza devido à gestação. São monstros cuja criatividade precisa ser libertada e precisam encontrar um espelho que lhes diga quem são, ou pelo menos quem não podem ser.

Da morte da Medusa resulta a vida e Pegasus ganha os céus, liberto, simbolizando a vitória da inteligência, a sua união com a espiritualidade, a sensibilidade que sempre existiu naquele que se julgava o monstro. Assim como Pegasus, quando a pessoa não se aferra ao seu aspecto de humano comum, em revoltas descabidas e em vinganças inúteis, poderá compreender a sua tragédia e perdoá-la. Na condição de Pegasus, será fonte de todas as belezas, da mais pura elevação, da criatividade e da fidelidade. Não é por acaso que Pegasus simboliza a poesia.

Porém, se incorporar o lado animalesco, errará pela vida sem pertencer a ninguém. Será o homem de muitas mulheres mas sem nenhuma, incapaz de amar. Petrificado pelo olhar da mãe será inerte, desenvolvendo sintomas de doenças paralisantes com fantasias de autopunição. E se tornará trágico e sem alegria, ou tentará superar sua dor através do poder e do dinheiro. No entanto, quando consegue, tem tudo e ao mesmo tempo sente-se um nada. Não pode ter uma mulher amorosa porque guarda a imagem da mulher num monstro que petrifica, e quando a encontra não confia nela e aborta a possibilidade de obter o amor que poderia revitalizá-lo.

A mulher que se vê como filha da Medusa mostra a impossibilidade de ser amada. Mesmo sendo bela, será uma trágica figura condenada a ser uma eterna criança presa às entranhas da mãe ou torna-se também uma mãe monstro. A mãe lhe transmite o que sente pelos homens, violação e abandono, e assim essa mulher percebe que o homem em sua vida pode ser tratado como um brinquedo ou como fonte de sofrimento. E muitas vezes ela se une a homens cruéis que irão justificar a idéia da mãe: a impossibilidade de ser feliz com os homens. E quando encontra um verdadeiro amor, destroi o amor juntamente com o homem amado.

Mulheres de amores infelizes herdam da Medusa o olhar terrível. E das uniões infelizes geram filhos infelizes que carregam presos a si mesmas não por amor, mas pelo terror que podem gerar. São as novas Medusas que se conseguirem ver-se num espelho, podem se tornar deusas gerando filhos como Pegasus. De outro modo, irão gerar filhos que não podem amar ou que lhe servirá de brinquedo para suas brincadeiras cruéis de paralisar e aterrorizar pessoas. Como no mito, a mulher se torna um monstro pelo descuido de um deus homem e pela crueldade de uma deusa mulher.

A Medusa foi decapitada por Perseu. Ele também teve uma trágica história de vida, pois sua mãe Danae e ele foram jogados numa arca e atirados nas ondas do mar pelo avô de Perseu. No entanto, a mãe de Perseu era amorosa e transmitiu isso a seu filho. Apesar do abandono e rejeição do seu pai, Danae não transformou isto em ódio à masculinidade e nem transmitiu isso ao filho. Eles não permitiram que sua desgraça se transformasse em ressentimento com a humanidade. Perseu mostrou o espelho à Medusa para que ela descobrisse e libertasse o seu lado Pegasus, o lado da poesia.

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Quem sou

Nascida em Belo Horizonte, apaixonada pela vida urbana, sou fascinada pelo meu tempo e pelo passado histórico, dois contrastes que exploro para entender o futuro. Tranquila com a vida e insatisfeita com as convenções, procuro conhecer gente e culturas, para trazer de uma viagem, além de fotos e recordações, o que aprendo durante a caminhada. E o que mais engradece um caminhante é saber que ao compartilhar seu conhecimento, possa tornar o mundo melhor.

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