sexta-feira, 29 de julho de 2011

Presente de grego



Quase dez longos anos já haviam se passado desde o início do cerco à cidade de Tróia, motivado pelo rapto de Helena - rainha de Argos, por Páris, filho de Priamo Rei de Tróia. Muitos guerreiros, tanto de Argos quanto de Tróia, já tinham perecido na guerra, inclusive alguns dos filhos do rei troiano entre eles Heitor o príncipe troiano, o maior dos heróis de Tróia e seu irmão Páris, o causador da guerra.

Na cidade sitiada havia o Paládio, uma estátua da deusa Atena que dava garantia de que Tróia não seria vencida enquanto
permanecesse em seu pedestral. No entanto, Ulisses, célebre por sua audácia e esperteza, roubou a estátua deixando os troianos preocupados com seu destino. Tanto gregos quanto troianos já se sentiam desanimados com aquela guerra: os gregos não conseguiam entrar na cidade e os troianos resistiam. Certa noite observando uma fogueira e tendo ouvido o relincho de um cavalo, Ulisses viu surgiu-lhe a ideia de construir um grande cavalo de madeira. A princípio os gregos julgaram uma ideia absurda, mas quando Ulisses explicou seus planos, todos concordaram.

Epheus era o mais hábil construtor e ambicioso pela fama, por isso foi incumbido de construir o grande cavalo sob a
promessa de teria a maior glória de toda a guerra, caso sua obra derrubasse as muralhas da invencível Tróia. Diante da promessa, Epheus foi tomado de grande euforia e interesse pela incumbência. O grande cavalo deveria ser ôco e grande o bastante para que ali coubessem muitos homens armados.

Epheus trabalhou ininterruptamente durante vários dias até concluír
sua obra que parecia algo criado pelos deuses. O imenso cavalo de madeira polida e grandes rodas, com aberturas em forma de grandes olhos, parecia um espetáculo ao mesmo tempo belo e aterrorizante. Com tantos detalhes, Ulisses já se sentia vencedor do seu grande golpe engenhosamente arquitetado.

Em Tróia, o Rei Priamo já não tinha mais esperanças de resistir aos ataques dos gregos. Inesperadamente seus guardas
vieram avisá-lo que os gregos haviam desmontado seus acampamentos e partido. Não havia nenhum movimento de guerra e nenhum grego nas imediações, exceto um grande cavalo de madeira tão perfeito que só poderia ser um presente dos deuses. Entusiasmados, os troianos sairam às ruas carregando suas taças de vinho para comemorar o grande presente e o final da guerra. Música e bebida estavam presentes dentro e fora das casas, enchendo a cidade de alegria.

Abertos os grandes portões, os troianos trouxeram o grande cavalo de madeira para dentro do reino.
Quando chegou a noite todos estavam cansados e adormeceram; muitos haviam se excedido no vinho. Foi nesse momento que os guerreiros gregos saltaram do cavalo e invadiram Tróia. Um rumor espantoso de armas e de gritos ergueu-se.

Os grupos de guerreiros invasores seguiram pelas ruas espalhando a morte e a destruição. A defesa troiana,
pega de surpresa, nada pode fazer e àqueles que não foram mortos, só restava fugir. Entre os fugitivos, estava Enéias que fugiu com seu pai, sua mulher e seu filho, orientado e protegido pela deusa Vênus, sua mãe, que lhe disse: - "Abandone esta luta inútil, não há mais nada a ser feito aqui. Tome os seus deuses e a sua família e parta daqui o quanto antes. Um destino maior lhe está reservado em outras terras"...

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O mito do cavalo de tróia está relacionado à expressão "Presente de grego" que significa dádiva ou oferta que traz prejuízo ou aborrecimento a quem a recebe. Não é aleatório a escolha do nome para os virus maliciosos que são enviados pela internet e que pegam de surpresa os mais incautos. O presente de grego é um dos mais indesejáveis, porque ele acaba com a alegria de qualquer pessoa tão logo percebe o malogro que lhe sucedeu.

O presente de grego está naqueles presentes que você recebe e que não tem nada a ver com você. Um dos casos são aqueles
que, apesar de fazer parte de uma cultura de final de ano que visa divertimento, nem sempre as pessoas aceitam de bom humor a brincadeira do Amigo Oculto. Muitos levam isso tão a sério que podem romper amizades e criar um clima desagradável em reuniões entre amigos, colegas de trabalho e familiares. Quem não está preparado para a brincadeira, melhor é não brincar.

Mas há outras situações. Quando você participa de sorteios em eventos genéricos ou rifas sem
saber qual será o presente, você pode acabar recebendo um presente que está muito longe de suas expectativas. Para qualquer ocasião, é melhor aprender a arte de receber presentes. O mito nos ensina: não importa o presente que você ganha; o que vale é a intenção de quem presenteia.

Mas há uma situação muito particular: é quando você espera uma oportunidade de promoção e quando finalmente
conquista um cargo de liderança, você é cumprimentado por todos, ganha um aumento de 10% do seu salário, tem uma sala exclusiva com seu nome na porta, tem seus cartões de visita personalizados, recebe um lap top, um celular, um carro da empresa e ajuda de custo, é convidado para almoçar com os diretores da empresa e junto com tudo isso você recebe uma equipe de 100 pessoas para supervisionar. Este é o seu Presente de grego, porque logo você descobrirá que:
  • Você irá receber um aumento 10% do seu salário, mas terá um aumento de 100% nas suas responsabilidades e obrigações.
  • Você receberá uma sala exclusiva com seu nome na porta, porque assim todo mundo saberá onde encontrar você quando surgir algum problema na empresa ou quando algum dos seus 100 liderados fizerem algo errado.
  • Com o tempo você perceberá que o lap top que você recebeu só serve para receber milhares de emails, muitos sem a menor objetividade e outros com reclamações, que você será obrigado a responder educadamente se comprometendo a obter uma solução.
  • O celular que lhe deram irá tocar a qualquer hora do dia ou da noite, inclusive nos finais de semana, sempre lhe passando algum problema ou lhe incumbindo de mais responsabilidades.
  • Esqueça sua vida particular. Já que você tem um carro da empresa, será chamado para estar na empresa antes ou depois do expediente, além de ser incumbido de atividades extras.
  • Comandando uma equipe de 100 pessoas, com 100 diferentes problemas familiares e 10 vezes mais problemas técnicos, no final você terá 1000 problemas para resolver de uma só vez, e você terá que se virar...
Logicamente se você souber disso antes, não vai recusar o novo cargo de liderança, mas desde o início saberá a realidade que te espera. Vencer como líder é um grande passo, mas não é fácil. Talvez não seja tão perverso como descrito acima, mas é preciso estar ciente que para alcançar excelentes resultados terá de enfrentar grandes e muitos problemas. Quando sabemos com antecedência o que nos espera, podemos nos preparar e evitar sustos.

A liderança é um "Presente
de grego"? Depende. Se estiver preparado realisticamente para ela, não será... Mas se perceber que recebeu um "Presente de grego", lembre-se do conselho de Vênus: Abandone esta luta inútil, quando não houver nada que possa ser feito. Tome os seus deuses e a sua família, e parta o quanto antes. Um destino maior lhe estará reservado em outras terras...

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Andrômeda e Perseu, um relacionamento vitima/salvador




Andromeda era uma princesa do Reino da Etiópia, filha do rei Cepheus e da rainha Cassiopeia. Sua mãe era uma mulher excessivamente presunçosa que ousou se vangloriar de que sua filha era mais bonita do que as filhas do deus Nereu, as Nereidas que eram ninfas de extraordinária beleza. Ofendidas pela arrogância da rainha, elas pediram a Poseidon que punisse a rainha e seu reino.

Em resposta ao apelo das Nereidas, Poseidon enviou o monstro marinho Cethus para atacar o reino da Etiópia.
Desesperado o Rei Cepheus consultou o oráculo para saber o que poderia fazer para livrar-se do monstro. O oráculo predisse que ele deveria oferecer sua belíssima filha em sacrificio ao monstro do mar e assim a princesa Andrômeda foi acorrentada em um rochedo na costa do Mediterrâneo, em Jaffa onde hoje está a cidade de Tel Aviv.

Esperando que fosse devorada pelo monstro, Andrômeda gritava por socorro. Ouvindo seus gritos, o herói Perseu que
retornava de sua jornada em busca da Medusa foi socorrê-la. Quem olhasse os olhos da Medusa era transformado em pedra e Perseu lutando contra o monstro mostrou-lhe os olhos da gorgona e transformou-o em um coral. 

Libertando e salvando a princesa, pediu-a em casamento. Andrômeda havia sido prometida para casar com Phineus mas aceitou a proposta de Perseu. No dia do casamento os rivais se encontraram. Não acreditando nas aventuras do herói Perseu, Phineus exigiu ver a cabeça da Gorgona e ao fixar em seus olhos, foi transformado em pedra. 

Depois do casamento, Andrômeda e Perseu seguiram para Tirinto e tiveram os filhos conhecidos como Perseides: Perses, Alceu de Mitilene, Heleus, Mestor, Electrion, Sthenelus e a filha Gorgófone. Perses viajou para a Ásia, tornando-se o ancestral dos persas.

Após a morte de Andrômeda, ela foi transformada numa constelação no céu do norte, perto da constelação de Perseu.
Seus descendentes governaram Micenas desde Electrión, pai de Alcmena e casada com seu primo Anfitrião. No entanto, Zeus disfarçou-se para seduzir Alcmena e quando ela estava grávida de seu filho Héracles, Zeus anunciou que o descendente de Perseu nasceria para reinar em Micenas.

Hera, a esposa ciumenta de Zeus, convenceu Eileitia, a deusa
do parto, a adiar o nascimento de Heracles e acelerar o nascimento de Eurystheus, filho de Sthenelus, no sétimo mês de gravidez. Eurystheus nasceu primeiro e se beneficiou da promessa de Zeus tornando-se o rei de Micenas. Eurystheus foi um implacável inimigo de seu primo Heracles e quando Heracles descobriu a trama de seu nascimento e reclamou o trono, Eurystheus o submeteu aos Doze trabalhos, que julgava impossíveis de serem realizados.
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O mito grego de Andrômeda foi retomado em muitas lendas medievais e cristãs, como a de São Jorge e o dragão e se repete nos muitos que salvam os outros em combate singular contra os monstros que possam amendrontá-los. Os relacionamentos Vítima/Salvador/Persecutor, incluem homens e mulheres que gravitam entre um e outro personagem, expressando sua ação e reação conforme percebe sua experiência em relação ao outro.

Em geral, aquele que se coloca como Vítima tem muitas crenças sobre si mesmo e se considera um alvo de hostilidade e rejeição dos outros. Pensa que todos estão contra ele e que os outros são responsáveis por sua dor. Enxerga sempre um obstáculo em tudo que deseja e manifesta total impotência para assim atrair proteção. 

Carregando sentimentos de culpa, sabota o próprio sucesso, tem medo de tomar decisões e espera que os outros venham salvá-lo da incapacidade que ele próprio cria. Com extrema dificuldade de tolerar qualquer rejeição ou crítica, tenta manipular os outros para resolver os problemas que ele deveria resolver. Dessa forma, terá alguém a quem culpar caso algo saia errado.

O Salvador se considera digno somente se estiver cuidando dos outros. Ele tende a satisfazer todas as necessidades dos outros e assim se sente feliz. Evitando conflitos e com extrema dificuldade em negar ou discordar, nega a si mesmo a satisfação dos próprios desejos mas satisfaz os desejos dos outros, fazendo às vezes mais do que o necessário para ajudar os outros. 

O Salvador preocupa-se muito com o que os outros possam pensar dele e se esforça para manter uma imagem de total capacidade. Se envergonha do seu sofrimento ou de suas necessidades, sendo incapaz de buscar ajuda quando necessário.

A tendência do Salvador é gerir e organizar os outros, diz apenas o que outros querem ouvir e explica muito suas atitudes para evitar de ferir susceptibilidades. Assumindo as responsabilidades de outros, tenta evitar que os outros tenham qualquer sofrimento ou decepção, além de buscar soluções para os problemas dos outros em detrimento dos seus.

E se alguém estiver sofrendo, lá estará o salvador pronto a entrar em ação. O Salvador tende ao auto-sacrifício na esperança de ser amado. Ele não acredita que possa ser amado se não fizer algo pelo outro e se não for perfeito. Periodicamente pode entrar em desespero se ver que todos os seus esforços foram em vão. E se isso acontece, pode tentar controlar os outros, se tornando um persecutor. E daí pode querer mostrar-se superior já que seus esforços não foram apreciados.


O Persecutor ataca para se proteger, para se sentir superior e só tem auto-estima se consegue ver alguém em posição inferior. Para isso o Persecutor usa vários métodos para manter controle que inclui o desprezo, a rejeição, a humilhação, o sarcasmo, o bloqueio, a agressão verbal ou física para poder manter o controle sobre o outro. 

Pode chegar aos extremos de raiva e violência para que os outros se submetam a ele, porque ele lida com sua própria dor infligindo-a em outros. Ele é um perseguidor que esconde sua vulnerabilidade e fragilidade, utilizando a força e tem desprezo por aqueles que são fracos como ele. Frequentemente ele avança sobre uma vítima que o contesta ou critica seu comportamento e ainda usa isso como justificativa por suas atitudes.

Nos relacionamentos entre as pessoas, tanto aquele que se faz de Vítima quanto o que se mostra Salvador, podem tornar-se Persecutor na tentativa de controlar o outro. A Vítima irá perseguir despertando sentimentos de culpa no outro e responsabilizando-o por sua dor. Pode mesmo acusá-lo de não ser capaz de prestar ajuda. 

O Salvador pode perseguir usando o seu ressentimento por não ter sido apreciado em seus esforços, acusando o outro de ingratidão. Com frequência, o Salvador expressa sua hostilidade de forma agressiva. Salvador e Vítima reagem um contra o outro numa espiral sem fim, o que dá origem ao crescimento do ressentimento e o ódio.

Em alguns relacionamentos este ciclo se torna abusivo.
Quando os parceiros, amigos ou familiares são capturados nesse ciclo, há uma impotência para desenvolver uma profunda intimidade. Tanto o Salvador, quanto a Vitima e o Persecutor tendem a responsabilizar os outros por sua felicidade mantendo o desejo de controlar os sentimentos e ações de outros. A Vítima faz isso por acomodação, o Salvador para ser apreciado e o Persecutor para ser intimidativo.

Quando se vive esses papéis nas relações não se constrói respeito pelo outro e vive-se através do outro.
Para sair desse ciclo vicioso é preciso aprender a assumir a responsabilidade pela própria vida e deixar que os outros continuem trabalhando para atingir seus próprios objetivos. Quando as pessoas se concentram em si mesmas e desenvolvem a consciência de auto-estima, imediatamente abandonam a idéia de salvar, perseguir ou precisar muito dos outros para viver.

A mudança pode ser difícil porque o processo que nos leva a esses papéis pode começar a se desenvolver na mais tenra idade ou a partir de experiências do passado.
Tendemos a continuar a ver as coisas do mesmo ponto de vista, porque em parte somos muito bons para enganar a nós mesmos e evitamos olhar para as coisas que não queremos lidar com elas. 

Cada uma das posições oferecem uma compensação que nos fazem ficar presos nela. Porém quando nos sentimos frustrados ou desafiados pelos outros a ver as coisas de um modo diferente, logo descobrimos o que devemos olhar em nós mesmos e enfrentar os nossos medos.

Uma das muitas maneiras de fazer isso é gastar nosso tempo fazendo as coisas que gostamos. Outra é identificar onde somos movidos pelo medo ou culpa. Criando um espaço para nós mesmos e identificando porque fazemos as coisas, se observamos que estamos sendo acionado pelo medo ou pela culpa, fazendo algo diferente quebramos o hábito. Ao explorar nossos sentimentos, podemos descobrir muito a nosso próprio respeito.




domingo, 17 de julho de 2011

Apolo e Marpessa, aprendendo a perder




No tempo em que os deuses do Olimpo ainda desciam à terra em busca do amor das belas mortais, Apolo tinha tudo para ser o mais cobiçado. Além de ser a divindidade responsável pela cura das doenças e dos ferimentos, Apolo também presidia tudo o que se referia à música, ao canto e à poesia, sempre na companhia das musas.

Apolo tinha a figura serena, que era a encarnação do equilíbrio harmonioso entre o intelecto e a beleza física. Os artistas sempre o representaram como um homem jovem, de porte atlético, com feições refinadas e um semblante inteligente - um verdadeiro modelo de beleza viril. Era difícil imaginar que alguma mulher, pudesse resistir a um homem assim.

Marpessa era uma princesa de extraordinária beleza e Apolo se apaixonou tanto por ela que, numa atitude sem precedentes, pediu-a em casamento. Porém Idas, um principe que era apenas um mortal, também tinha feito o seu pedido de casamento.

Como era inevitável, os dois rivais se defrontaram. Apesar de desigual, a terrível luta chamou a atenção de Zeus que se viu obrigado a interferir na briga dos pretendentes. A princesa Marpessa foi incumbida de escolher com quem se casaria e surpreendentemente ela escolheu Idas.

Questionada porque teria rejeitado o deus Apolo, ela disse que não poderia ser feliz ao lado de um deus tão cobiçado e tão célebre em toda a Grécia, além de que temia ser abandonada pelo deus quando ficasse velha.

Apolo retornou para o Olimpo, derrotado e inseguro, inaugurando o mote que os homens despeitados repetem até hoje quando se sentem preteridos ou trocados por alguém que consideram um rematado cretino: "É a velha queda que as mulheres têm pelos tolos!"


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O mito de Marpessa e a rejeição de Apolo retrata aquelas mulheres que se casam com homens brilhantes e criativos, mas que em alguns casos são castigadas por sua ousadia. Ele quer ser sempre o grande vencedor e aos poucos, ela vai percebendo que viver ao lado dele é um presente magnífico mas que se deve pagar dia-a-dia com o próprio aniquilamento.

E quando uma mulher percebe a poderosa armadilha e a rejeita, o consolo do eterno ressentido é
combater aquele que ocupa o lugar antes por ele pretendido. Assim, desfazem qualquer qualidade do seu rival devido à sua própria insegurança e pelo que consideram uma terrível derrota. O mito revela que as pessoas não são educadas para perder.

Geralmente os pais, logicamente com boas intenções, exaltam muito as vitórias e incentivam os filhos sempre para ganhar e ganhar. E nessa cena corriqueira e aparentemente inocente, esconde um dos grandes pecados da educação: incentivar a criança a sair-se sempre campeã não é uma boa maneira de prepará-la para o mundo.

Educar também é preparar a criança para a vida, na qual enfrentará o doce sabor da vitória e o amargo sabor da derrota. Ensinar à criança a perder é essencial para sua formação. Uma criança que não tem a oportunidade de sofrer uma derrota não vai saber lidar com as frustrações da vida, que sempre nos propicia momentos de altos e baixos.

Perdemos a hora, perdemos o ônibus, perdemos um amor, perdemos um emprego. Tudo isso faz parte da nossa formação. Saber lidar com isso é o que faz a diferença. Num primeiro momento, é comum associar a derrota ao sentimento de fracasso. Porém, a dimensão que esse fato terá na vida dependerá da maneira como se administra a situação.

Perder será inevitável no jogo da vida, motivo mais que suficiente para que os pais auxiliem seus filhos, desde a infância, a administrarem os sentimentos esperados quando tal fato ocorre. Além disso, ao não sagrar-se vencedor, tem-se a oportunidade de descobrir outras maneiras de se satisfazer. Se não tiver limites, a criança não aprenderá a ser tolerante com os problemas que irá enfrentar na vida. É importante aprender que os jogos tem regras e saber superar a decepção.

Querer vencer é algo positivo que incentiva e funciona como um desafio para buscar sempre melhorar o desempenho. No entanto, é fundamental aprender a competir, valorizar a competição e não somente o resultado. Jogar e competir tem muitas vantagens e perder é inevitável. Os jogos são excelentes oportunidades de treinar essa desenvoltura.

Em competições esportivas, como o futebol, apenas um time será o vencedor e isso não significa que esse resultado será para sempre. Perder uma partida não é sinônimo de derrota e nem de fracasso irreversível. O bom resultado de um campeonato também é fruto de algumas derrotas. Quando ocorre a perda é um ótimo momento para rever a jogada e aprender, melhorar e pensar sobre como alcançar uma vitória outro dia.

E assim é em todas as competições, sejam esportivas, pessoais e profissionais. Competir não é só ganhar ou perder. Em uma disputa, muita coisa está em jogo: novas habilidades podem ser aprendidas, a criatividade pode ser melhor desenvolvida, a lembrança e o raciocínio sobre um erro pode evitar outros lances errados. Qualquer disputa se reverte sempre num aprendizado.

Na vida sempre encontraremos alguém que irá nos frustar, nos decepcionar ou que irá nos negar o que queremos. Toda existência humana é marcada pela condição de contradição, ou seja, pela fraqueza e pela queda. Aceitar a própria condição limitada é sinal de sabedoria. Aprender que a queda, os fracassos e as perdas fazem parte da vida, é aprender a ter humildade para encarar a perda como uma possibilidade de superação e motivação para seguir em frente.

Quem é incentivado apenas a vencer, nunca conseguirá lidar com a frustração. Se sentirá inferior e culpado, carregando consigo o medo de decepcionar os outros e não ser amado e admirado, apenas porque não é um eterno vencedor. Quem aprende a vencer e perder, adquire autoconfiança, tem autoestima elevada, aprende a lidar com as frustrações e sabe que, vencendo ou perdendo, será sempre amado e estimado. Quem não sabe perder, tampouco saberá celebrar com sabedoria as suas vitórias...


terça-feira, 12 de julho de 2011

Medéia, um complexo destrutivo



Medéia era uma famosa feiticeira, filha do rei Aetes da Cólquida que, por medo dos encantamentos de Medéia, a encerrou no cárcere. No entanto, usando suas magias ela conseguiu fugir e se refugiou no templo de Helius. Quando Jasão foi à Colquida buscar o velocino de ouro que era protegido por dragões, Medéia que era hábil nas artes mágicas, ajudou Jasão a recuperar o velocino de ouro dando-lhe um óleo que tornava invulnerável seu corpo ao fogo e ao ferro durante um dia.

Jasão dependia do velocino para recuperar o trono que lhe pertencia por direito. Apaixonada por Jasão, Medéia o
auxiliou na fuga raptando o próprio irmão, o príncipe Absirto herdeiro do trono. Em fuga pelo mar e perseguidos pela esquadra do rei, Medéia esquartejou o próprio irmão lançando seus pedaços ao mar para salvar Jasão e os Argonautas. Enquanto o rei de Cólquida recolhia os pedaços do seu filho, a nau Argos fugiu.

Durante a longa viagem de volta Jasão
teve 2 filhos com Medéia. Quando retornaram, mesmo trazendo o velocino de ouro Pélias se recusou a entregar o trono. Assim Medéia tramou matar Pélias, convencendo às filhas dele para esquartejá-lo e colocá-lo num caldeirão e assim ele rejuvenesceria. Mas quando finalmente Jasão tomou posse do trono, ele se apaixonou por outra mulher. Repudiada e cheia de ódio, Medéia enviou um vestido mágico para a amante de Jasão, cujo tecido impregnado de veneno matou a amante de Jasão. Além disso, em sua vingança, envenenou os filhos da amante e lançou sobre Jasão uma terrível maldição, de que morreria de forma violenta.

Jasão foi considerado indigno de ocupar o trono e foi deposto pelo povo. As filhas de Pélias, orientadas por Medéia, ressuscitaram o pai que reassumiu o trono. Mas a profecia de Medeia se cumpriria: quando Jasão inspecionava as obras de manutenção em sua nave Argo, morreu sob o peso de uma viga de madeira que despencou de um mastro e esmagou sua cabeça.

Chegando em Atenas, Medéia casou com o rei Egeu e dessa união nasceu o filho Medo. Egeu era pai de Teseu mas não
conhecia o filho. Quando Teseu chegou em Atenas, Medéia tentou envenená-lo, mas Egeu descobriu a trama e impediu que o filho fosse assassinado. Medéia foi expulsa do seu reino e nada mais lhe restava senão retornar para Cólquida. Quando Medéia descobriu que seu pai havia sido deposto do reino e morto por seu tio Perses, Medeia e Medo expulsaram Perses. Recuperando o trono, Medo se tornou rei.

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O mito de Medéia apresenta o retrato psicológico de uma mulher carregada de amor e ódio a um só tempo. Ela é apresentada como um tipo de personagem na tragédia grega como esposa repudiada, abandonada e estrangeira perseguida. Ela se rebela contra o mundo que a rodeia, rejeitando o conformismo tradicional e tomada de fúria terrível, ela assume a vingança como meta para automodificar-se e usa seu poder de persuasão e suas palavras como armas.

A juventude impetuosa de Jasão o fazia aceitar todas as missões consideradas difíceis, ou seja, ele se sentia atraido
pelos desafios e obstáculos, dando mais valor às impossibilidades de suas aventuras. Medéia, apresentada como feiticeira, muitas vezes ligada à deusa Hécate - deusa da bruxaria, na verdade simboliza a mulher jovem que, apesar da juventude, já dominou seus impulsos e aprendeu a dominar a arte de viver e resolver problemas, mesmo aqueles dificeis.

Vista como uma das figuras femininas mais impressionantes da dramaturgia universal, Medéia narra o drama da
mulher que deixa tudo: sua pátria, sua família e seus sonhos para seguir ao lado de um grande amor. Jasão era o seu objeto amado e de sua extrema dedicação. Ela era capaz de qualquer atitude para atender os interesses e caprichos do seu amado.

Com sua maturidade, ao facilitar os caminhos e resolver todos os problemas de Jasão, Medéia foi abandonada, pois
Jasão não encontrava mais desafios e aventuras. Medéia tinha todas as respostas, mas Jasão já não encontrava desafios a vencer. Jasão vivia ansioso pelas aventuras e Medéia lhe oferecia a estabilidade de um trono onde ele já não encontrava estímulos variados. De fato, Medeia tivera sido apenas parte de suas aventuras. Inconformada, Medeia quis vingar-se.

Em alguns casos, mães que não se recuperam dos efeitos da gravidez podem sofrer de algum transtorno mental que a leva a maltratar seu filho recem-nascido. Em outros casos, são os filhos ilegítimos indesejados que se tornam vítimas de crueldade. Há ainda outro fato cruel, é aquele em que o ódio é deslocado para as crianças como forma de retaliação. Essas crueldades são denominadas como Complexo de Medeia.

Não são raros os casos daqueles que para vingar-se,
maltratam seus próprios filhos ou os enteados como uma forma de provocar uma imensa dor em quem o rejeitou. O Complexo de Medéia é encontrado tanto nos filmes como na vida real, no qual aquele que foi rejeitado direciona sua atenção furiosa para a nova parceira ou novo parceiro do seu ex-amor como também às crianças envolvidas na trama. A história do relacionamento dos pais tende a revelar um ambiente hostil, cheio de conflitos, com atos violentos de um ou ambos, sendo uma das principais motivações para os conflitos e o assassinato, o ciúme e suspeitas de infidelidade.

A retaliação por parte dos homens parece ser uma extensão natural de seu poder e controle sobre a família e o relacionamento sexual. Quando a mulher abandona o homem para iniciar ou não outro relacionamento, ele percebe isso como um desafio à sua autoridade e masculinidade. Os homens são muito mais propensos à retaliação do que as mulheres. Além disso, os homens apresentam maior probabilidade de causar injúrias mais sérias. As mulheres apresentam comportamento retaliador devido ao ressentimento, pela falta de poder no relacionamento.

Quando acontecem os divórcios, alguns pais ou mães iniciam um processo de destruição do ex-parceiro ou parceira. Sofrendo de uma espécie de Complexo de Medéia, para fazer o outro sofrer, passam a matar emocionalmente e psicologicamente os filhos. Assim, dificultam o relacionamento entre o pai ou a mãe com os filhos, interferem, mentem, escondem, manipulam até à exaustão as mentes e emoções dos filhos e ainda se fazem de vítimas. O fato é que tais atitudes interferem negativamente no desenvolvimento da criança mas isso não parece fazer parte das preocupações dos modernos pais e mães Medéias.

Uma mãe que põe as suas crianças contra o pai delas ou o pai que as coloca contra
a mãe, provavelmente terá, pelo menos, comportamentos paranóicos de uma estrutura de personalidade psicótica ou borderline. Por não conseguir lidar com a perda, permanece com uma ligação ao ex-marido ou ex-esposa num íntimo sentimento de ódio e mantém as crianças amarradas por um profundo sentimento de lealdade consigo.

Parceiros e parceiras rejeitados podem usar os filhos para despertar compaixão ou usá-los como mini-espiões para lhes
relatar a nova vida do ex-marido ou da ex-esposa. Para alimentar o ódio que sente, usam os filhos como fantoches e incitam os filhos a despertar ciúmes. Os filhos se tornam extensão de seus tentáculos e podem até mesmo usá-los para atrapalhar o novo relacionamento, usando o filho como um gancho para manter uma ligação com a família do ex-parceiro ou parceira, impondo sua presença em qualquer esfera onde possa penetrar. Expor os filhos a tamanha carga psicológica e desgaste pode causar grande desorientação nas crianças.

Outro aspecto do mito que realmente é bastante típico dos casos reais é a história de abuso físico e emocional no
relacionamento: a violência doméstica que não se restringe apenas às agressões físicas, mas principalmente às atitudes de humilhação que um cônjuge submete o outro. Em muitos casos, as mulheres submetidas à violência doméstica preferem o silêncio do que enfrentar o homem por meio de ações judicais esperando que a situação algum dia se amenize. Na maioria dos casos, é apenas uma perversa ilusão.

No mundo atual, muitas pessoas vivem relações irreais e seguem iludidas. A longo prazo poderão descobrir que mais
vale uma triste certeza do que uma prazerosa ilusão, pois, diante de uma certeza, toma-se decisões de mudanças; diante de uma prazerosa ilusão, segue-se perseguindo uma utopia...

sábado, 9 de julho de 2011

Penélope, o amor que não se cansa de esperar



Penélope foi uma heroina mítica, cuja beleza não era maior que seu caráter e sua conduta. Filha de Icário, um príncipe espartano, Ulisses pediu-a em casamento conquistando-a entre muitos competidores que participaram dos jogos instituídos por seu pai. Porém depois do casamento, quando chegou o momento em que a jovem esposa deveria deixar a casa paterna, seu pai Icário não aceitando a idéia de separar-se da filha, tentou persuadi-la a permanecer ao seu lado e não acompanhar o marido a Itaca. Ulisses deixou que Penélope escolhesse e ela silenciosamente cobriu o rosto com um véu e seguiu o marido. Icário entendeu e mandou construir uma estátua do Pudor onde se havia separado da filha.

Ulisses e Penélope haviam se
casado e apenas um ano depois tiveram de separar-se em virtude da partida de Ulisses para a Guerra de Tróia. Enquanto Ulisses guerreava em outras terras e seu destino era desconhecido, o pai de Penélope sugeriu que sua filha se casasse novamente, mas por ser uma mulher apaixonada e fiel ao seu marido, recusou dizendo que o esperaria a volta de Ulisses.

Durante a longa ausência de Ulisses muitos duvidavam que ele ainda estivesse vivo ou que era improvável que algum dia
retornasse. Penélope foi importunada por inúmeros pretendentes, dos quais parecia não poder livrar-se senão escolhendo um deles para esposo. Contudo, Penélope lançou mão de todos os artifícios para ganhar tempo, ainda esperançosa do regresso de Ulisses.

Um de seus artifícios foi o de alegar que estava empenhada em tecer uma tela para o dossel funerário de Laertes, pai de seu marido, comprometendo-se em fazer sua escolha entre os pretendentes quando a obra estivesse pronta. Durante o dia, aos olhos de todos, Penélope trabalhava tecendo; à noite, secretamente desfazia o trabalho feito. E a famosa "Tela de Penélope" passou a ser uma expressão proverbial, para designar qualquer coisa que está sempre sendo feita mas que nunca termina.

Porém tendo sido descoberta em seu artíficio, ela propôs outra condição ao seu pai. Conhecendo a dureza do arco de
Ulisses, ela afirmou que se casaria com o homem que o conseguisse encordoar. Dentre todos os pretendentes, apenas um camponês humilde conseguiu realizar a proeza. Imediatamente este camponês revelou ser Ulisses, disfarçado após seu retorno. Penélope e Ulisses tiveram apenas um filho chamado Telêmaco.

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O mito de Penélope mostra uma das mais claras e populares imagens de feminilidade, da pessoa que espera pelo amor e enquanto espera, pacientemente, borda, tece, junta os fios e as cores. A referência à difícil trama dos tapetes, do desencontro dos fios e da combinação das cores, tanto nos reporta aos acontecimentos da própria existência, tecidos por uma dolorosa memória, como nos fala de criação, invenção e a possibilidade de conhecer outros caminhos.

A tela que Penélope tece tem o objetivo de protegê-la e aquecê-la. Destituida de afeto, ela tece para cuidar de si mesma em seus piores momentos de solidão e, ainda que espere por Ulisses por toda sua vida, não tece porque espera, ela tece a sua solidão, seu sentimento de abandono, de orfandade e rejeição. Enquanto espera, desfaz os pontos antigos, cria outros desenhos, novas matizes à espera de si mesma. A espera é uma contagem regressiva da esperança que Penélope coloca nos Laços e Nós de sua tapeçaria.

Os laços são os vínculos afetivos que nos unem aos outros. Com a convivência ou pela falta dela, os problemas surgem e os laços se transformam em Nós. O Nó não se forma entre o homem e a mulher, ele se forma entre o Eu e o Outro. Os Nós são os problemas existentes nos relacionamentos, os desafios de conviver com o outro. Nó é o nome que damos às crises e às dificuldades naturais das pessoas que convivem e das uniões amorosas: desencontros, brigas, medo de não ser amado, ciúmes, tédio, falta de liberdade, questões sexuais, infidelidade, problemas financeiros, divisão do trabalho doméstico, problemas de convivência com as famílias etc.


Os nós acontecem não por falta de amor, pelo menos não necessariamente. Os Nós acontecem mesmo onde exista amor; é da natureza humana a dificuldade para se relacionar. Os seres humanos não conseguem viver sozinhos e não sabem viver juntos. E nos relacionamentos só há três a fazer: evitar que os Nós aconteçam, desfazer os Nós ou pelo menos afrouxá-los até poder desatá-los.

Evitar que os Nós aconteçam é uma tarefa que depende do cuidado amoroso, aceitando o outro como ele é, usando de criatividade para fugir da rotina. Embora sejam recomendações fáceis, são difíceis de serem praticadas, porque temos de conviver ainda com a nossa raiva, nossa insegurança, nossa agressividade e tantos outros sentimentos que convivem dentro de nós mesmos, lado a lado com os nossos bons e nobres sentimentos.


Não basta apenas ter amor para desatar os Nós entre as pessoas. O amor não desata, pois sua tendência natural é atrair, unir e ligar. Quando há sofrimento, é preciso abandonar as fantasias e adquirir habilidades para comunicar-se bem com o outro, despertando-o para uma conversa amorosa, sem discursos, xingamentos e acusações.

Nos relacionamentos é mais importante saber ouvir do que falar, porque a conversa implica em ouvir também o que o outro tem a dizer. Saber ouvir pressupõe não apenas deduzir das palavras ditas, mas observar a postura, as emoções, o tom de voz e as expressões. Quando uma pessoa fala verdadeiramente o que sente, todo o seu corpo corresponde. Essa é a magia necessária à arte de desatar os Nós que serve, principalmente, para nos sentirmos escutados, considerados e amados.

Por mais saudáveis que sejam os laços, um dia podem chegar ao fim. Isso acontece quando um dos dois desiste de investir na relação. O fim dos laços não está verdade na separação ou na ausência, porque para muitos a ausência serve para fortalecer a ligação afetiva com o outro. O fim começa quando acabam as palavras, quando se instala a indiferença. É no silêncio que terminam os relacionamentos...

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Pigmaleão e a profecia auto realizável


Pigmaleão era um soberano cretense, amante da escultura que dedicava todo o seu tempo a lavrar a pedra. Indignado com a prostituição e vulgaridade das mulheres de Chipre no templo destinado a Afrodite, Pigmaleão resolveu viver em celibato e se entregou inteiramente para exercer sua arte.

Apesar da sua desilusão com as mulheres, Pigmaleão começou a esculpir uma mulher de marfim dando-lhe todos os atributos de beleza, doçura e graça, crendo que assim deveria ser a mulher perfeita e deu-lhe o nome de Galathea. A estátua era uma fiel reprodução da deusa que, sentindo-se ofendida, vingou-se fazendo com que Pigmaleão se apaixonasse loucamente pela estátua de marfim.

Durante os dias e noites Pigmaleão passava ao lado de sua amada estátua, imaginando como seria feliz viver ao lado dela. Diante de seu lamento, a deusa do amor, se comoveu e tornou real a estátua com o fogo da vida. Quando estava admirando sua bela obra, Galathea se moveu e descendo do pedestal se aproximou do seu criador.

Pigmaleão viu em seus braços aquela mulher que ele criara e que se tornou sua esposa, tendo com ela o filho Paphos que fundou uma cidade com seu nome. Hoje, a encantadora e antiga cidade do amor e da beleza, com suas deslumbrantes praias e belas montanhas, é um destino de sonho para os turistas enamorados.

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O mito de Pigmaleão mostra o poder da expectativa sobre o comportamento das pessoas; tal fenômeno foi denominado "Efeito Pigmaleão". Sob esta ótica, as pessoas tornam-se de acordo com a imagem que temos dela. Nos relacionamentos íntimos, como o namoro, acredita-se que a expectativa que cada um tem em relação ao outro possa exercer uma forte influência e está relacionada ao sucesso ou ao fracasso do namoro.

A visão que uma pessoa tem em relação a outra acaba determinando uma verdade que a outra passa a demonstrar. Pigmaleão apaixona-se pela estátua porque ele lhe deu a forma de uma verdadeira donzela, nunca antes vista em outras mulheres. A ênfase é projetada na perfeição da estátua e não no comportamento desviante de um personagem masculino.

Pigmaleão não apaixona-se pela estátua em si mas pelo resultado de suas próprias qualidades artísticas. Ele tinha conseguido dar à estátua o aspecto de uma verdadeira donzela e assim presenteaava a si mesmo com a realização do seu desejo não-expresso. A donzela era ele mesmo, porque ele a havia criado de acordo com as suas próprias concepções.

Os seres humanos são obras inacabadas que passam por um processo de aperfeiçoamento através dos relacionamentos que estabelecem no decorrer de suas vidas. Uma criança elogiada guarda em si a boa sensação do elogio e sempre buscará essa boa sensação nos seus relacionamentos posteriores. Sua tendência será sempre de buscar encontrar apoio e elogio positivo. No entanto, uma criança maltratada na infância acreditará que ela sempre deverá ser maltratada porque não merece amor e elogios. Assim, no decorrer de sua vida adulta tenderá a buscar relacionamentos destrutivos.

O Efeito Pigmalião foi assim nomeado por Robert Rosenthal e Lenore Jacobson, destacados psicólogos americanos, que realizaram um importante estudo sobre como as expectativas dos professores afetam o desempenho dos alunos. Os professores que tinham uma visão positiva dos alunos estimulavam e conseguiam que seus alunos obtivessem bons resultados. No entanto, professores que tinham uma visão negativa de seus alunos, adotavam posturas que comprometiam o desempenho deles.

Esse efeito é também chamado de profecia auto-realizável, porque quem faz a profecia é na verdade quem a faz acontecer e afeta as relações em todos os campos da vida, conforme documentam os estudos posteriores de Rosenthal um premiado cientista. Na gestão, a profecia auto-realizável foi apresentada em célebre estudo de Douglas McGregor, mostrando que a expectativa dos gerentes afeta o desempenho dos empregados. Quando o gerente espera e acredita no bom desempenho de seus colaboradores, tende a confirmar suas expectativas. Se espera um desempenho negativo, com certeza também será confirmado.

Os empregados que tem uma visão positiva de seu patrão, apresentam-se desarmados e confiantes e tendem a angariar simpatia ampliando as chances de que seu trabalho seja bem avaliado e suas sugestões bem aceitas. O candidato ao emprego que tem expectativas favoráveis se apresentará espontãneo, afetando positiviamente a percepção do entrevistador. Um vendedor que acredita no potencial interesse do cliente apresenta um discurso positivo capaz de transmitir segurança sobre o valor de sua oferta.

Em termos práticos, se alguém vê outra pessoa como alguém difícil ou mesmo como inimigo, tende a agir como se o outro realmente fosse assim, levando a outra pessoa a tornar-se parecida com a imagem criada. Segundo McGregor, quem tem expectativas ruins sobre os outros, não acredita neles e não vê suas qualidades, em consequência costuma colher o pior dessas pessoas. Quem tem boas expectativas em relação a outras pessoas, tende a obter o melhor de cada uma delas. 

Ao longo da vida, quem acredita nos outros, vai emitindo sutis sinais positivos e cria relações sólidas e com gente admirável. Já aquele que olha para os outros com uma visão negativa vai emitindo mensagens de descrença e afastamento, fazendo com que os outros nunca possam mostrar o melhor de si. Com o passar do tempo, os sutis sinais farão uma grande diferença.

O Efeito Pigmaleão encontra uma abordagem ligada ao marketing pessoal: se você se vê com olhos negativos, destacando suas próprias fraquezas e más qualidades, já se sente autorizado a ser assim, o que limitará suas escolhas e afetará sua autoconfiança. O Efeito de Pigmaleão possui conexões com a ideia da profecia que se auto-realiza: você se torna aquilo que pensa ser...

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Pirro e a vitória inútil



Neoptólemo, jovem guerreiro e conhecido por Pirro, era o filho do guerreiro Aquiles e da princesa Deidamía. Passou sua infância na cidade de Esciro, uma das ilhas Espóradas, criado com sua mãe e seus avós. Inspirado pelas façanhas que se narravam a respeito de seu pai na Guerra de Troya, ele se tornou um hábil guerreiro. Durante esse tempo foi conhecido pelo nome de Pirro até seus 12 anos.

Depois da morte de Aquiles, Pirro foi levado para Troya nos últimos dias da guerra, pois o adivinho Calcas dizia que os gregos jamais conseguiriam tomar a cidade sem a presença do filho de Aquiles. Ele comandou os Mirmidones na batalha e ganhou admiração quando venceu Eurípilo, filho de Télephus. Pela valentia demonstrada, apesar da pouca idade, Pirro ou Neoptólemo passou a integrar a esquadra dos gregos contra Troya.
No entanto, apesar de sua chegada, a tomada de Troya parecia impossível.

Quando capturaram o príncipe Heleno, este revelou como poderiam vencer os troianos. Pirro foi um dos guerreiros que entraram em Troya escondidos no cavalo de troya concebido por Odisseu. Em reconhecimento a seu valor, além de muitos tesouros, foram-lhe concedidos Andrômaca e Heleno como seus escravos.


Hermione, filha de Menelao, havia sido prometida ao seu primo Orestes, porém diante de sua longa ausência Menelao concedeu a mão da filha a Pirro. Ele não teve filhos com Hermione, mas teve um filho com sua escrava Andrômaca que se chamou Moloso. Mas preocupado por não ter filhos de Hermione, foi consultar o oráculo de Delfos. Ali encontrou Orestes, que ao saber que ele havia desposado Hermione, se sentiu ultrajado e matou Pirro.

Depois do assassinato de Pirro, Hermione fugiu com o filho Moloso para a terra do Epiro, onde Moloso se tornou rei. Os habitantes dessa terra passaram a ser chamados de Molosos. Por vários anos os reis de Épiro se apresentavam com orgulho como descendentes de Pirro de Epiro. Pirro foi enterrado dentro do recinto sacro e a cada 8 anos eram celebrados festivais em sua honra.

Por ter sido um líder infatigável, embora não tivesse sido um rei propriamente sábio, Pirro foi considerado um dos melhores generais militares do seu tempo, mas também conhecido por ser muito benevolente. Como general, as maiores fraquezas políticas de Pirro eram a falta de concentração e facilidade para esbanjar dinheiro. Grande parte dos soldados que integravam tropas de Pirro eram mercenários que cobravam caro para seguí-lo. Sua obstinada intenção de construir um império na Italia deixou como herança a expressão "Vitória de Pirro"...

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O Mito de Pirro serve para exemplificar que nem sempre a vitória pertence ao vencedor. Muitas vezes, lutamos para manter um emprego, uma posição social, um relacionamento, mas pagamos muito caro por isso. A expressão “vitória de Pirro”, é uma metáfora para descrever uma vitória que de tão sacrificada, de tão desgastada, de tão violentamente conquistada, praticamente não valeu a pena alcançar, ou seja, o custo foi mais alto do que as vantagens obtidas.


A expressão "vitória de Pirro" não se refere a uma vitória difícil mas a uma vitória inútil, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis, prejudicial ao vencedor. Muitas vezes achamos que estamos fazendo o correto, mas será que vale a pena?


Você se torna uma pessoa bem sucedida nos negócios ou assume uma posição executiva, acumula bens e riquezas, mas não tem tempo para usufruir de sua família ou para seu lazer. Você não está feliz com a vida que tem vivido, passa anos sem férias, sem descanso, não tem mais ilusões e a esperança anda com vontade de dormir. Você vive para trabalhar e chegará um dia em que se perguntará: Valeu a pena?


Você vive na correria para ganhar dinheiro e não pode usufrui-lo; o tempo passa e o cansaço domina seu corpo. Sem tempo para cuidar da saúde, ao longo do tempo você se torna doente e gasta tudo o que ganhou para pagar remédios e hospitais. E você se perguntará: Valeu a pena?


Você percebe que entrou numa roda-viva, que não é mais dono do tempo e que não pode gastá-lo como quiser. Seu carro se torna um problema, o telefone te perturba porque não pára de tocar, a gravata te incomoda, o seu patrimônio adquirido exige tempo demais. Você se tornou possuído ao invés de possuir. E por mais que tente se livrar de tudo isso, é um escravo, embora invejado por muitos. Mesmo rodeado de muita gente, você se sente só. Um dia você se perguntará: Valeu a pena?


Se você frequentou o mundo sem saber porquê, rodou, rodou e não saiu do lugar; pensou que foi, mas ficou; teve tudo e não sentiu nada, não percebeu que o tempo escoa rápido como areia fina entre os dedos, chegará o dia que você sentirá vontade de voltar no tempo e gastar suas horas de forma diferente.

Você vai querer sorrir, amar, estar com a família, misturar-se com as crianças e estender a mão ao próximo. Vai preferir uma pizza com a família em vez de um jantar de negócios. Vai desejar ser dono de suas horas, tirar férias, curtir tudo o que gosta. Mas, se você deixar isto para pensar em algum dia, talvez você não tenha mais tempo. Um dia você vai ver que passou pela vida e não viveu...

sábado, 2 de julho de 2011

Sereias ou Sirenes, o poder da sedução



As sereias ou sirenas eram seres da mitologia grega descritas como parte mulher e parte pássaro, que atraia os homens, principalmente os navegantes no mar. Eram tão lindas e cantavam com tanta doçura que atraíam os tripulantes dos navios que passavam por ali , fazendo-os colidirem com os rochedos e afundarem. Durante a Idade Média, a evolução do mito as transformou em mulher-peixe e lhe deu outras características.

As sereias ou sirenas eram filhas do deus-rio Achelous e da musa Melpômene. Também diziam que elas eram filhas de Eagro e da musa Calíope. Eram belas jovens mas por despezarem os prazeres do amor, Afrodite tornou-as metade mulher - metade pássaros. Depois disso, elas atraíam e prendiam os homens, desejavam o prazer mas não podiam usufruí-lo.

Graças aos conselhos da feiticeira Circe, Odisseu e sua tripulação conseguiram escapar do encanto da sereias quando
retornavam a Itaca, usando de uma estratégia. Os marinheiros colocaram cera nos ouvidos e Odisseu amarrou-se ao mastro do navio, pois ele queria ouvir o canto das sereias e assim vencê-las. Recomendando que os marinheiros não o soltassem em nenhuma hipótese, os argonautas passaram ilesos.

As sereias deixariam de viver se alguém escapasse a seu encanto. Com o truque de Odisseu, elas transformaram-se nas
ilhas Sirenusas, nas costas da Campania na Itália. O corpo de Partênope foi lançado à costa, onde lhe ergueram um túmulo. Neste lugar nasceu a cidade de Nápoles, também chamada Partênope.

Partênope, a chamada Aparência de Jovem, dedilhava a lira. Leucósia, chamada a Branca, cantava. Ligia, a melodiosa,
tocava flauta. Existiam ainda outras sereias: Aglaófone - A Bela Voz Aglaope - A Bela Aparência Himéropa - A Doce, Pisínoe - A Persuasiva Telxínoe - A Encantadora Telxíope - A Perturbadora Molpe - O Estranho Canto Raidné - A progressiva.

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As histórias e lendas sobre as sereias aparecem em várias culturas e todas elas mostram a força e o poder da sedução. Em alguns
mitos e lendas as sereias foram batizadas por outros nomes e descritas como mulher-peixe, com longos cabelos loiros, sempre cantando ao se pentear, usando seus pentes, espelhos e perfumes.

O canto representa a força de atração que
atinge algo que está além das construções defensivas do ego, indo mobilizar diretamente poderosos aspectos inconscientes da personalidade. Em todas as expressões dos sons, a música e a voz são os instrumentos utilizados para atrair, seduzir e convencer, ultrapassando todos os contra-argumentos retóricos, morais e psicológicos. Essa força de sedução do som é capaz de tocar e despertar algo profundo, causando uma atração encantadora e irresistível que é parte essencial desse símbolo, talvez a razão profunda do tema da sexualidade.

Entre outras coisas, a sereia representa a sedução arquetípica, a sedução da psique unilateral. Seduzir vem do latim
seducere e significa, dentro de seu campo semântico, conduzir à parte, guiar a outro lado, mudar de rota ou de direção, deslocar, divagar, digredir, obrigar à mudança que, no sentido psíquico, representa dar ouvidos à alma, à anima, para dialogarmos com nossas potências inconscientes e dar asas a nossa imaginação simbólica e criativa.

O canto ou sedução da sereia pode ser arrebatador e mortal para o ego, porque o lugar da alma é o mundo da
imaginação, o mundo dos sonhos para o qual o ego é irremediavelmente seduzido todas as noites. Isso não é a morte, mas o reino de Hades. A metáfora da morte nos permite entender o reino dos mortos como o mundo das almas, o lugar da anima, da psique viva.

As sereias eram descritas como fiéis a Perséfone, intercedendo junto a ela em favor dos mortos através de cantos
fúnebres. Assim, elas conheciam e participam dos mistérios e dos ritos sagrados de morte e renascimento, ganhando o pente e o espelho. Os pelos e os cabelos sempre estiveram associados à sexualidade e indicam atributos de natureza sexual. Cabeleiras desgrenhadas são atributos de personagens tidos como indomáveis, loucos e lunáticos; os pentes que cardam a lã dos animais torna-os mais atraentes, íntimos e convidativos. Domesticando os cabelos, doma-se a sensualidade animal.

Já o espelho nos fala da vaidade e da beleza, mas antes é instrumento que revela, ilude ou engana. Separa o virtual do
real e nos assombra mostrando mundos paralelos, infinitos, mágicos. O espelho é armadilha para aprisionar almas e sua ambiguidade é a mesma das sereias, que surgem no espelho d'água nos convidando a cruzar a fronteira entre dois mundos. Assim onde quer que apareçam, Sereias, Iaras ou Iemanjás, carregam seus pentes e espelhos como parte desse simbolismo. Talvez por isso, usa-se a expressão "conto das sereias" para aqueles que acreditam em falsas promessas, que pertence apenas ao imaginário.

As sereias sedutoras adestravam o homem para a morte, o que poderia ser entendido que qualquer força masculina é força de produção, mas a única e irresistível força é a feminilidade que tem o poder da sedução. A sedução é mais forte do que a sexualidade, com a qual não há que confundi-la. A sedução é a expressão primordial da anima. No mundo capitalista contemporâneo, o canto da sereia tem o seu poder de sedução prometendo felicidade total pelo consumo de bens e tecnologias, nos fazendo sonhar com um mundo de progressos infinitos, sem limites. Essa é a sedução perversa, que nega qualquer possibilidade de morte, forjando analfabetos psiquicos.

Na tradição clássica, as sereias são descritas como ameaçadoras e vorazes. Seu lado ameaçador e voraz talvez seja um
dos mais marcantes e presentes na mítica grega antiga, nas lendas medievais e no folclore latino americano, embora possam ser identificadas como como divindades protetoras de importantes mitos de criação. Na narração de Homero, a feiticeira Circe descreve as sereias sentadas e rodeadas por montes de ossos de homens putrefatos. Na Idade Média, essa voracidade aparece associada aos vícios, ao pecado e às tentações.

O mito das sereias ou sirenas está relacionado aos sonhos de amor ideal que pode se tornar fatal. No imaginário indígena e folclore brasileiro aparece a lenda do Boto, um golfinho que se transforma em um belo rapaz causando um irresistível fascínio nas mulheres. Após seduzí-las, o Boto vai embora, deixando as mulheres grávidas e apaixonadas. É o poder de fascínio que suga atenção e desperta a paixão. Desde a antiguidade os golfinhos são relacionados a contos amorosos relatados na literatura greco-romana e o canto como um dos elementos simbólicos mais expressivos associados às sereias.


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Quem sou

Nascida em Belo Horizonte, apaixonada pela vida urbana, sou fascinada pelo meu tempo e pelo passado histórico, dois contrastes que exploro para entender o futuro. Tranquila com a vida e insatisfeita com as convenções, procuro conhecer gente e culturas, para trazer de uma viagem, além de fotos e recordações, o que aprendo durante a caminhada. E o que mais engradece um caminhante é saber que ao compartilhar seu conhecimento, possa tornar o mundo melhor.

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