sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Euphemus e o auto-respeito






Euphemus era um dos filhos de Poseidon e seu pai lhe concedeu o poder de andar sobre a terra e a água, por isso ele era tido como o exemplo do homem respeitável que transmitia bons exemplos para os homens da terra. Ele morava na Fócida e juntou-se aos Argonautas sendo o timoneiro do navio.

Quando passavam pelo Mediterãneo Triton quis presenteá-los. Depois de distribuir presentes em ouro e prata, sobrou apenas um torrão de terra que ninguém aceitaria, mas Euphemus aceitou. Medeia profetizou que se ele jogasse aquele torrão de terra em um dos abismos de Taenaron no Peloponeso, seus descendentes se tornariam sábios em algum lugar daquelas terras.

Porém quando os Argonautas passaram pelo Mediterrãneo, por acidente o torrão caiu no mar e foi levado pelas ondas se tornando a Ilha de Thera. De acordo com Apolônio de Rodes, Euphemus lançou propositalmente o torrão ao mar, sendo citado como ancestral de Battus, fundador de Cirene, na atual Libia. Assim, a colonização da Líbia, se iniciou a partir de Thera pelos descendentes de Euphemus que governaram a Libia até a 17ª geração.


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Atingida diversas vezes por terremotos, Cirene foi totalmente destruída durante o terremoto de 365 d.C. Uma das paredes do templo caiu sobre todas as estátuas, que permaneceram escondidas sob pedras, entulho e terra por 1.600 anos. Em 2005 as peças foram recuperadas. Por ser considerado o local do Jardim das Hespérides, onde floresciam as maçãs de ouro, é constantemente citada na mitologia grega.

Segundo Diodoro Sículo, a cidade recebeu o nome de Cirene em honra a uma bela jovem da Tessália que foi uma das paixões de Apolo a quem foi dedicado um templo, cujas ruínas ainda existem. De Cirene originou o nome da região Cyrenaica na Líbia, que se tornou um tradicional reduto das forças de oposição ao governo a partir da guerra civil de agosto 2011.

O mito de Euphemus simboliza o respeito e o louvor, a forma de estar acima das vaidades humanas por isso é relacionado ao poder de andar sobre a terra e a água. O respeito denota um sentimento positivo por si mesmo, de estima pelas pessoas, por uma cidade ou país, mediante uma conduta e ações de estima. É a atitude mansa e passiva, evitando ser rude mas honrar alguém.

Respeito não deve ser confundido com tolerância, pois tolerância não diz necessariamente nenhum sentimento positivo. A palavra respeito vem do latim respicere que significa olhar para trás, evocando a idéia de julgar alguma coisa reconhecendo seu valor e virtude por ações passadas e consequências futuras.

Vencendo a vaidade e a ganância, Epheumus foi capaz de perceber a generosidade de Triton, demonstrando dignidade ao receber o presente mais simples que Triton estava a oferecer, um torrão de terra. Por sua dignidade e respeito ao presente recebido, era justamente o presente que continha maior valor entre todos: um reino que foi governado por seus descendentes durante 17 gerações.

Vaidosa é a expectativa de que outras pessoas venham preencher as nossas necessidades. A vaidade é filha do orgulho e da soberba, o desejo de atrair admiração, de criar uma imagem para impressionar os outros, de ter mais que os outros para causar inveja, o que leva à ganância. Erronea é a ideia de que podemos ser admirados e amados por nossa aparência ou pelo que queremos demonstrar ter, visto que são elementos impermanentes e temporários.

A Ganância é um sentimento humano que degenera, pois o egoismo excessivo é incapaz de preencher o que nos falta no coração e na mente. E mesmo que a riqueza seja associada ao poder e à capacidade de exercer influência sobre os outros, por deixar-se corromper tende a desejar corromper, manipular ou enganar os outros. Alguns chegam ao extremo da avareza, desejando eliminar seus desafetos. No entanto, nada pode suprir a deficiência moral e psicológica que podemos carregar em nós mesmos.

O auto-respeito é indispensável para vivermos em harmonia com os demais. Constantemente nos queixamos de que outros nos faltam o respeito, sem perceber que muitas vezes faltamos ao respeito de nós mesmos, na maioria das vezes inconscientemente. Atender as próprias necessidades e valores, expressar de forma conveniente sentimentos e emoções, sem causar danos ou culpar-se, é respeitar a si mesmo. A auto-estima, é um silencioso respeito por si mesmo.

Da mesma forma que as relações humanas profundas só se estabelecem sobre bases de respeito, também a auto-estima se fortalece quando aprendemos a respeitar a nós mesmos. Ter respeito por si mesmo é ter orgulho de seus atos e realizações, contando com seus próprios recursos e habilidades. Somente quando respeitamos a nós mesmos, nos tornamos capazes de conquistar o respeito dos demais.

Pomona e a negação dos próprios desejos




As hamadríades eram ninfas dos bosques. Pomona era uma delas e tinha amor aos jardins e ao cultivo das árvores frutíferas. Enquanto suas irmãs iam se banhar nos rios ou passear na florestas, ela permanecia nas regiões cultivadas de maçãs. Sempre com seu podão na mão direita, impedia que as árvores crescessem demais, podava os galhos secos para dar vida à árvore e cuidava para que não faltasse água às plantas.

Cuidar das plantas era sua única paixão e mantinha o pomar fechado para que os habitantes da região não viessem destruir as árvores. Muitos tentavam conquistá-la, como os faunos, os sátiros, o velho Silvano e Pã, mas Verturno a amava mais do que os outros e sempre se disfarçava, ora de ceifador de trigos, ora parecendo pastor, ora se apresentando como pescador, apenas para se aproximar de Pomona e assim ele alimentava seu amor.

Certo dia Verturno apareceu disfarçado vestido como uma velha, com os cabelos grisalhos cobertos por uma touca e um bastão na mão. Entrou no pomar, admirou os frutos e elogiou os cuidados de Pomona. Olhando os ramos carregados de frutos que pendiam, apontou para uma planta que subia em um tronco e exemplificou que se aquela planta não tivesse outra para apoiá-la ela ficaria prostada no chão. E perguntou porque ela não se casava com alguém, já que tinha tantos pretendentes e aconselhou que ela deveria escolher Verturno, tecendo muitos elogios e revelando que ele tinha o poder de transformar em qualquer personagem.

Lembrando-a de que Vênus poderia sentir-se ofendida, ele contou a Pomona a saga de um jovem humilde que se apaixonou por uma linda moça que o desprezava e relatou as declarações de amor que um jovem apaixonado poderia dizer à sua amada antes que morresse de amor e ela se tornasse uma estátua de pedra, já que o frio habitava em seu coração. Pedindo que ela refletisse sobre suas protelações, Verturno livrou-se do disfarce e se mostrou tal como era. Pomona sentiu que seu coração se iluminava e quando ele ia renovar seus apelos, ela o aceitou.


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O mito de Pomona está relacionado à negação dos próprios desejos, quando a pessoa se esquece das próprias necessidades para satisfazer as necessidades dos outros, ainda que se sinta insatisfeita ou sobrecarregada com incumbências alheias. Pomona se incumbia apenas das árvores, dando-lhes vida e cuidando para que florescessem, mas esquecia de si mesma.

As pessoas podem ser solidárias, gentis, prestativas, amigas e companheiras, o que é muito louvável, no entanto, quando isso interfere na realização dos próprios desejos ou quando implica na negligência das próprias necessidades, pode revelar uma vontade de ser se mostrar boa demais apenas para os outros.As pessoas podem agir assim por vários motivos: auto-negação, timidez, submissão, fraqueza, baixa autoestima ou passividade.

A negação dos próprios desejos fazendo tudo pelos outros, é uma forma de se iludir, achando que sendo muito útil aos outros estará sendo amada. Na verdade, a pessoa está em busca de amor, reconhecimento e aprovação que não encontra em si mesma. No entanto, fazer tudo pelos outros atrapalha o desenvolvimento de si mesma e também dos outros.

Saber dizer "não" nos momentos apropriados, pode ser uma forma amorosa de fazer um bem a si mesma e também aos outros. Deixar-se sucumbir facilmente ao desejo alheio, é uma forma de destruir as próprias energias e criatividade, protelando a alegria de viver. Só se doa verdadeiramente, quem primeiro doa a si mesma.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Antígona e Creonte, aprendendo com a experiência




Antígona era uma das filhas do Rei Édipo de Tebas, nascida da sinistra e trágica união entre Édipo e sua mãe Jokasta. Apesar de sua origem sombria, Antígona tinha um caráter leal e amoroso. Quando ocorreu a derradeira expulsão de Édipo do reino de Tebas, cego e perseguido pelas fúrias, Antígona guiou seu pai durante os anos em que ele vagou por várias terras.

Os irmãos de Antígona, Polinices e Etéocles, foram eleitos para reinar alternadamente, mas após o primeiro ano de reinado Etéocles se recusou a passar o reinado ao seu irmão além de expulsá-lo da cidade. Entrando em confronto direto, Polinices e Etéocles feriram-se mutuamente e morreram. Seu tio Creonte, irmão de Jokasta, assumiu o trono declarando-se Rei de Tebas e assegurou o sepultamento de Etéocles conforme os costumes da cidade.

No entanto, proibiu que Polinices fosse sepultado, já que havia a crença de que sua sombra permaneceria vagando às margens do Rio Estige. O adivinho Tiorésias tentou convencê-lo a revogar sua decisão, mas Creonte se mostrou irredutível. As ordens do rei não deveriam ser desobedecidas e que ousasse faze-lo seria enterrado vivo.

Antígona desejava uma cerimônia de sepultamento para seu irmão Polinices porque compreendia os motivos que o haviam levado a Tebas. Antígona mandou construir uma pira e sobre ela colocou o corpo de Polinices seguindo o ritual para libertar a alma do irmão. Quando o Rei Creonte viu as chamas da pira, surpreendeu Antígona e a condenou a ser enterrada viva.

Antígona era noiva de Hemon, filho de Creonte, mesmo assim o rei o incumbiu da execução de Antígona. Fingindo estar de acordo, Hemon casou-se em segredo com Antígona e a levou para viver com os pastores. Quando Creonte descobriu, condenou o filho à morte.

Após a execução Creonte lamentou as irrefletidas decisões que havia tomado. Algum tempo depois, nasceu o filho de Antígona. Arrependido, o Rei de Tebas mandou chamar Antígona com seu neto para viver no reino. Finalmente Creonte havia reconhecido que as uniões familiares deveriam estar acima de qualquer poder, pois são elas que nos ajudam a suportar e resistir a todos os intempéries da vida, para fugir das tragédias cotidianas.


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O mito de Antígona é um dos mais expressivos e importantes da mitologia grega, pois há muitas inferências sutís no mito além da grande lealdade de Antígona com seu irmão. Ao abordar os mitos é preciso usar a Hyponoia, uma técnica hermenêutica que nos permite descobrir nos textos os vários sentidos ocultos, aparentemente menos relevantes.

Etimologicamente, Antígona significa: aquela que se coloca adiante de sua família ou do meio em que vive (anti = diante de + goné = nascimento ou origem). Com sua altivez e autoconfiança, Antígona mostrou os acentuados traços de insubmissão ao colocar-se acima das leis terrenas. Certa de sua posição de defensora das leis divinas, que eram anteriores às leis criadas na terra, Antígona foi inábil ao defendê-las tornando-se um obstáculo e um desafio perigoso para Creonte, pois poderia fazê-lo perder o controle da situação política de Tebas.

Havia uma grande diferença nas origens de Antígona e Creonte. Antígona era da raça de Lábdaco, de Laio e de Édipo, uma descendente dos Labdácidas, portanto, uma linhagem real orgulhosa e maldita, marcada por taras, anomalias e miasmas. Creonte, ao contrário, provinha de uma família socialmente inferior. Kreon, em grego, lembra soberania e poder - aquele que se identifica com o poder; Creonte era um burocrata apegado ao poder. Oscilando entre a fraqueza e o oportunismo, por sua linhagem ele estava fora da realeza e era apenas um funcionário qualificado no poder a reger problemas políticos.

O mito retrata as normas e leis sociais a que estamos submetidos nos colocando em um real dilema moral: devemos ser leais às nossas tradições culturais e familiares ou devemos nos submeter ao julgamento das normas sociais? O mito retrata ainda dois princípios: o princípio masculino relacionado autoridade, obediência, hierarquia e o princípio feminino, o mais fundamental e indestrutível de todos os vínculos, a lei da consanguinidade, da família, da irmandade, regidas pelas deusas do feminino.

Uma alegoria do mito mostra a supremacia da ordem masculina que tenta enterrar definitivamente os valores femininos, não reconhecendo os direitos naturais. Esse é um paradigma cultural anunciado na tragédia de Sófocles e que perdura ainda até os nossos tempos, revelando a supremacia das virtudes femininas: maternidade, amor, fraternidade, igualdade, a predominância dos valores tribais sobre os individuais.

Antígona representa o respeito pela vida humana, a igualdade e o amor entre todos os seres humanos. Creonte representa a supremacia do Estado e suas leis, a obediência à sua autoridade acima do direito natural da humanidade e acima da precedência dos laços familiares. Representa ainda os males da falsa autoridade e da crueldade gratuita suportadas apenas por normais sociais que refletem os valores e ambições pessoais de quem as cria, que não permite serem questionadas e são sustentadas apenas pelo poder no mundo externo. Tido como um comportamento socialmente correto, mais tarde pode ter de ceder lugar a uma interpretação diferente.

O matriarcado é universalista; o patriarcado impõe fronteiras, muros, separações. A família matriarcal é aberta e receptiva; a patriarcal é fechada e individualizada. Numa predomina o caos, a liberdade, a natureza; na outra, a limitação, a hierarquia, a ordem, o logos. Vencida a mulher, o patriarcado poderia se impor socialmente.

Édipo se automutilou, cegando-se para não ver todos os fatos expostos. Seu gesto de desespero representa a recusa em ver o que fizera. A cegueira vaidosa ainda acompanha o homem moderno que busca ver o mundo através do aparente. Confunde o real com o concreto, o verdadeiro com o lógico. Continua preso à grande ilusão de ter que ver para crer, não percebendo que grande parte do que é real nós não vemos, é invisível aos olhos e por isso é preciso ir além dos sentidos e da mente.

A Casa Real de Tebas tinha um passado sombrio que iniciou mesmo antes de Édipo. A família foi atormentada por várias maldições, simbolizando a família disfuncional e desestruturada. No entanto, Antígona conseguiu resistir. Com seu poder de amar foi capaz de vencer uma herança psicológica de destrutividade; ela redimiu o passado e conseguiu escrever um novo futuro aos seus descendentes.

Tirésias representa a sabedoria, que pressupõe experiência. Com sua sabedoria reforçou a reflexão, sempre necessária para qualquer decisão. Creonte defrontava-se com um conflito moral duplo: o conflito entre duas leis as quais devia lealdade, a reflexão e ação. Ele não se fechou a voz da razão, reconheceu seu erro e procurou corrigí-lo, lamentavelmente era tarde demais.

O arrependimento de Creonte está em reconhecer o completo colapso de seu mundo e a derrota de seus princípios. Creonte se transforma em vitima de sua própria justiça, homem sem lei e convicção. Onde havia orgulho, sobrou humildade; onde havia certeza, restaram dúvidas. O saber e a reflexão teórica sobre um conflito moral são insuficientes no momento da prática, ou seja, da opção por uma ou outra alternativa de ação, em favor de uma lei.

O drama de Creonte consistiu no fato de que sabedoria por si só não o protegeu do erro. Ao agir precipitadamente, condenou não só a outros, mas condenou a si mesmo. Faltou-lhe prudência, ou seja, experiência de vida associada a sabedoria. Creonte foi vitima da falta de prudência, agiu e errou, por isso sofreu as consequências de sua ação e adquiriu dolorosamente a experiência.

Apesar da lei da Polis lhe dar razão, procurou uma solução mediadora para corrigir seu extremismo fazendo valer a temperança. Creonte transformou-se, enquanto agia, num homem sábio e prudente. O tirano abatido e amargurado, derrotado pelo destino, agora é homem moralmente competente por ter adquirido prudência e temperança, produtos da experiência de vida, consequência de ação.

Nesse sentido, podemos entender que ambos aprenderam à lição. Ainda que tenham trilhado o caminho da frustração e da dor, aprenderam que é preciso ser prudente e agir com temperança, procurando aquele ideal de virtude que consiste no justo meio, sem radicalismos e polaridades extremistas. Todo o contexto dessa obra retrata o início da democracia na vida cotidiana dos gregos e o fim das tiranias. O homem passa a contrapor os seus ideais aos ideais dos deuses, pensando no seu agir e as consequências de suas ações em sua vida prática.

sábado, 17 de setembro de 2011

Piritoo e a Centauromaquia, o duelo entre razão e emoção



Pirítoo era o Rei dos Lápitas na Tessália. Ele era filho de Ixion que foi um dos maiores vilões da mitologia grega e condenado a permanecer no Hades preso a uma roda em chamas por toda eternidade devido aos seus inúmeros erros.

Piritoo havia convidado os seus parentes Centauros - metade homem, metade cavalo, para sua festa de casamento, que eram filhos de uma aventura amorosa de seu pai e tinham um caráter violento, exceto Quiron e Folo que não eram filhos de Ixion. Durante a festa, abusando do abuso do vinho os centauros mostraram sua natureza selvagem e tentaram raptar e violentar as mulheres presentes, entre elas Hipodâmia, a noiva de Pirítoo.

Além de todos os Lápitas residentes no reino, entre os convidados estava presente Teseu que era um grande amigo de Piritoo. Foi iniciada uma violenta luta, muitos Centauros foram mortos e os derrotados foram expulsos da Tessália. Este confronto ficou conhecido por Centauromaquia.

Pouco tempo depois do seu casamento, Hipodâmia morreu. Inconsolado, Pirítoo prometeu viver em celibato a não ser que conseguisse se casar com uma deusa divina. Assim fez um pacto com Teseu: raptaram Helena de Esparta que era ainda uma criança para casar-se com Teseu. No entanto, Castor e Pólux, os irmãos de Helena, sairam à procura dela e Teseu foi obrigado a deixá-la em Atenas aos cuidados de sua mãe Etra.

Depois Piritoo e Teseu desceram aos Infernos para raptar Persefone, a deusa esposa de Hades. Sabendo das intenções dos convidados, Hades os convidou a sentar e comer. Eles se deliciavam do banquete até que perceberam estar presos à cadeira onde estavam sentados. Clamando por ajuda, quando Hércules chegou para salvá-los, o deus dos infernos libertou somente Teseu e Piritoo ficou preso no Hades por toda eternidade...

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Os centauros pertenciam a uma classe de monstros da mitologia grega que possuiam o corpo metade homem, metade cavalo. Segundo a concepção do pensamento mítico grego, o cavalo possuía virtudes admiráveis e essa mistura com os homens não era negativa. Diversas narrativas mitológicas contam sobre o relacionamento entre os homens e os centauros, dando-lhes a capacidade de socialização.

Na interpretação das alegorias mitológicas, o centauro tem a importante capacidade de salientar o conflito entre a razão e a emoção. Sendo humana a parte superior de seu corpo, teria a capacidade de refletir sobre os seus atos. Em oposição a essa característica racional, a parte inferior de seu corpo representaria a violência física e os impulsos sexuais.

A Centauromaquia é uma metáfora para o conflito entre os instintos e o comportamento civilizado na
humanidade. Teseu, que era um herói e fundador de cidades, optou por ajudar Piritoo por entender a ordem correta das coisas usando a razão.

Razão e emoção travam um duelo, seja na vida sentimental ou profissional. A emoção é algo que nos faz agir por impulso, que visa exclusivamente o bem estar e a alegria momentânea. É essa emoção que nos faz sorrir, chorar e que aflora sem que sejamos racionais. De outro lado, está a razão que nos aconselha a pensar no futuro, nas consequências de nossas decisões. É a razão que nos impede de arriscar, que nos torna cautelosos medindo as consequências de nossos atos.

A vida é feita de escolhas e em cada uma delas sempre há este duelo entre razão e emoção, consciência e coração. Muitas vezes precisamos abrir mão de uma delas. As escolhas não são fáceis e muitas vezes adiamos decisões por medo de sofrer ou de arrepender. Quando optamos pela emoção podemos viver emoções que preenchem nosso coração, mas podem ser transitórias. Porém, se optamos somente pela razão, podemos levar em conta apenas as razões materiais.

Os seres humanos são naturalmente emotivos mas tem o cérebro bem desenvolvido. Até um animal é capaz de pensar racionalmente antes de atender às suas demandas instintivas. Embora as reações instintivas sejam mais rápidas, o que nos protege dos predadores e perigos naturais, usando a nossa força cerebral, que é mais lenta, podemos nos proteger muito mais.

Mesmo quando somos agredidos verbalmente, se refletimos usando a razão, temos muito mais
chances de argumentar com mais eficácia. Essa é a famosa tática de contar até 10 antes de responder. Se para os homens das cavernas a reação instintiva era a mais valiosa, em nosso meio social mais sofisticado, a reação ponderada tem mais valor.

A razão não precisa anular a emoção, mas pode ajudar a redirecioná-la e modificar a sua
expressão. O que for apenas raiva pode se transformar em energia saudável, numa ação mais aceitável, por exemplo, adiando uma conversa para um momento mais calmo ou respondendo com determinação, bom senso e boa argumentação.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Meléagro e o autoconhecimento



As Moiras, senhoras absolutas do destino, visitaram Altéia esposa de Eneu, o Rei do Calidon, logo após o nascimento de seu filho Meléagro. Com sua visita pairou uma sombra naquele reino, pois elas trouxeram a triste notícia de que a sorte da criança estava diretamente relacionada a um pedaço de lenha que crepitava na lareira. Assim que a lenha se consumisse por inteiro, Meléagro morreria. Imediatamente, Altéia apagou o fogo e guardou o pedaço de lenha restante num cofre, para assim prolongar a vida do filho. Os anos se passaram e o jovem cresceu tornando-se um famoso herói que lutou junto aos Argonautas.

Em Calidon os primeiros frutos da colheita deviam ser sacrificados aos deuses. Infelizmente o Rei Eneus esqueceu-se do sacrifício e, por isso, Artemis furiosa com a negligência enviou sobre o seu reino um enorme e furioso javali, que destruia plantações e colheitas. O rei mandou chamar os mais nobres homens para lutar contra o terror e o vencedor receberia a pele do javali. No entanto, como nenhum homem conseguisse vencê-lo, Atalanta se ofereceu e conseguiu lutar e vencer o terrível javali contando com a ajuda de Meleagro, mas ele dispensou a glória a que teria direito.

Atalanta foi homenageada e recebeu como prêmio a cabeça e a pele do javali conforme havia sido prometido. Todavia os irmãos de Altéia reivindicaram a pele do javali e tentaram arrebatá-lo das mãos de Atalanta. Deflagrada a contenda, Meléagro quis defender Atalanta e durante a luta matou seus próprios tios. Movida pela dor e com cego ódio, Altéia abriu o cofre, retirou o pedaço de lenha há anos guardado e o atirou novamente ao fogo. Bastou que a lenha se queimasse para que o jovem herói tivesse sua gloriosa existência encerrada. Altéia desesperou e foi consumida pelo remorso, morrendo na mesma fogueira onde extingiu seu filho.

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O mito de Meleagro está relacionado ao comportamento neurótico, que é caracterizado pela reação exagerada e desproporcional do sistema nervoso às experiências de vida. A intensidade de emoções é capaz de deixar uma pessoa mais preocupada, mais impressionada, mais ansiosa, mais angustiada e medrosa. Muitas vezes essa vulnerabilidade se desenvolve desde a infância, quando se constata casos semelhantes na família. Esse era o caso de Meleagro.

As Moiras, donas do destino, ao perceberem o comportamento dos pais perante a vida, foram avisar-lhes que a intensidade de sentimentos e a impulsividade seriam prejudiciais ao filho. Alteia tentou proteger o filho encerrando no cofre os impulsos e instintos de seu filho. Meleagro cresceu sem amor incondicional, sujeito a muitas exigências para ser amado e desenvolvendo a ideia de que deveria ser bonzinho para conquistar o amor dos outros.

Tornando-se um grande heroi, Meleagro percebeu suas próprias fragilidades. Quando Meleagro enfrentou o javali junto com Atalanta, na verdade ele estava enfrentando seus medos e fobias. A presença da destemida Atalanta, que vencia todas as feras, despertou em Meleagro o seu poder de combater suas próprias fragilidades. E quando ele mostrou seu poder pessoal, simbolicamente atacando seus tios e defendo-se das opressões, sua mãe percebeu que era inútil tentar evitar que Meléagro adquirisse o autoconhecimento.

Sócrates teria tomado a inscrição da entrada do templo de Delfos como inspiração para construir sua filosofia: Conhece-te a ti mesmo. Esse autoconhecimento é o que nos permite modificar a relação de nós com nós mesmos, com os outros e com o mundo. É como se a vida fosse uma obra de arte, em que vamos nos moldando, nos aperfeiçoando no decorrer da nossa existência.

O autoconhecimento é uma profunda viagem ao nosso interior que nos permite compreender por que reagimos a uma determinada situação, tornando-nos capazes de fazer escolhas mais conscientes e que, consequentemente, nos leva a encontrar satisfação e sentido de vida mais significativo. É olhando para o nosso interior, examinando e transcendendo os padrões herdados de nossos pais, de nossos familiares, da nossa própria cultura e da sociedade em que vivemos, é que podemos encontrar um sentido para nossas vidas.

Desde a mais tenra infância, criamos couraças para proteger nossa verdadeira essência. Adquirimos padrões sócio-culturais que, se forem rígidos e inflexíveis, bloqueiam nosso processo de desenvolvimento. E assim vamos levando a vida, escutando apenas o que os outros, a sociedade e os nossos padrões nos dizem para fazer, muitas vezes, não dando ouvidos à nossa própria voz interior, a que vem do nosso coração. Muitos sequer tem consciência dessa voz interior e outros tentam silenciá-la a qualquer custo. Iludidos pelas pressões, determinações e medos impostos pela sociedade e pelo próprio ego, as pessoas preocupam-se demais com o que os outros irão pensar sobre elas.

Algumas pessoas tem profundo medo do que pode acontecer se elas assumirem os seus próprios desejos, fazendo algo que iria trazer satisfação em sua vida e esquecem que a vida está presente no agora. E é no agora que o coração clama para que o sigamos, confiando e fluindo, pois é aí que está a verdadeira evolução e o verdadeiro aprendizado que trará a paz e a satisfação interior. Assim, o autoconhecimento nos leva ao desenvolvimento de nossa consciência, transcendendo as couraças e indo em direção da nossa verdadeira essência de amor, uma viagem que exige mais coragem do que segurança.
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Quem sou

Nascida em Belo Horizonte, apaixonada pela vida urbana, sou fascinada pelo meu tempo e pelo passado histórico, dois contrastes que exploro para entender o futuro. Tranquila com a vida e insatisfeita com as convenções, procuro conhecer gente e culturas, para trazer de uma viagem, além de fotos e recordações, o que aprendo durante a caminhada. E o que mais engradece um caminhante é saber que ao compartilhar seu conhecimento, possa tornar o mundo melhor.

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