quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Meléagro e o autoconhecimento



As Moiras, senhoras absolutas do destino, visitaram Altéia esposa de Eneu, o Rei do Calidon, logo após o nascimento de seu filho Meléagro. Com sua visita pairou uma sombra naquele reino, pois elas trouxeram a triste notícia de que a sorte da criança estava diretamente relacionada a um pedaço de lenha que crepitava na lareira. Assim que a lenha se consumisse por inteiro, Meléagro morreria. Imediatamente, Altéia apagou o fogo e guardou o pedaço de lenha restante num cofre, para assim prolongar a vida do filho. Os anos se passaram e o jovem cresceu tornando-se um famoso herói que lutou junto aos Argonautas.

Em Calidon os primeiros frutos da colheita deviam ser sacrificados aos deuses. Infelizmente o Rei Eneus esqueceu-se do sacrifício e, por isso, Artemis furiosa com a negligência enviou sobre o seu reino um enorme e furioso javali, que destruia plantações e colheitas. O rei mandou chamar os mais nobres homens para lutar contra o terror e o vencedor receberia a pele do javali. No entanto, como nenhum homem conseguisse vencê-lo, Atalanta se ofereceu e conseguiu lutar e vencer o terrível javali contando com a ajuda de Meleagro, mas ele dispensou a glória a que teria direito.

Atalanta foi homenageada e recebeu como prêmio a cabeça e a pele do javali conforme havia sido prometido. Todavia os irmãos de Altéia reivindicaram a pele do javali e tentaram arrebatá-lo das mãos de Atalanta. Deflagrada a contenda, Meléagro quis defender Atalanta e durante a luta matou seus próprios tios. Movida pela dor e com cego ódio, Altéia abriu o cofre, retirou o pedaço de lenha há anos guardado e o atirou novamente ao fogo. Bastou que a lenha se queimasse para que o jovem herói tivesse sua gloriosa existência encerrada. Altéia desesperou e foi consumida pelo remorso, morrendo na mesma fogueira onde extingiu seu filho.

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O mito de Meleagro está relacionado ao comportamento neurótico, que é caracterizado pela reação exagerada e desproporcional do sistema nervoso às experiências de vida. A intensidade de emoções é capaz de deixar uma pessoa mais preocupada, mais impressionada, mais ansiosa, mais angustiada e medrosa. Muitas vezes essa vulnerabilidade se desenvolve desde a infância, quando se constata casos semelhantes na família. Esse era o caso de Meleagro.

As Moiras, donas do destino, ao perceberem o comportamento dos pais perante a vida, foram avisar-lhes que a intensidade de sentimentos e a impulsividade seriam prejudiciais ao filho. Alteia tentou proteger o filho encerrando no cofre os impulsos e instintos de seu filho. Meleagro cresceu sem amor incondicional, sujeito a muitas exigências para ser amado e desenvolvendo a ideia de que deveria ser bonzinho para conquistar o amor dos outros.

Tornando-se um grande heroi, Meleagro percebeu suas próprias fragilidades. Quando Meleagro enfrentou o javali junto com Atalanta, na verdade ele estava enfrentando seus medos e fobias. A presença da destemida Atalanta, que vencia todas as feras, despertou em Meleagro o seu poder de combater suas próprias fragilidades. E quando ele mostrou seu poder pessoal, simbolicamente atacando seus tios e defendo-se das opressões, sua mãe percebeu que era inútil tentar evitar que Meléagro adquirisse o autoconhecimento.

Sócrates teria tomado a inscrição da entrada do templo de Delfos como inspiração para construir sua filosofia: Conhece-te a ti mesmo. Esse autoconhecimento é o que nos permite modificar a relação de nós com nós mesmos, com os outros e com o mundo. É como se a vida fosse uma obra de arte, em que vamos nos moldando, nos aperfeiçoando no decorrer da nossa existência.

O autoconhecimento é uma profunda viagem ao nosso interior que nos permite compreender por que reagimos a uma determinada situação, tornando-nos capazes de fazer escolhas mais conscientes e que, consequentemente, nos leva a encontrar satisfação e sentido de vida mais significativo. É olhando para o nosso interior, examinando e transcendendo os padrões herdados de nossos pais, de nossos familiares, da nossa própria cultura e da sociedade em que vivemos, é que podemos encontrar um sentido para nossas vidas.

Desde a mais tenra infância, criamos couraças para proteger nossa verdadeira essência. Adquirimos padrões sócio-culturais que, se forem rígidos e inflexíveis, bloqueiam nosso processo de desenvolvimento. E assim vamos levando a vida, escutando apenas o que os outros, a sociedade e os nossos padrões nos dizem para fazer, muitas vezes, não dando ouvidos à nossa própria voz interior, a que vem do nosso coração. Muitos sequer tem consciência dessa voz interior e outros tentam silenciá-la a qualquer custo. Iludidos pelas pressões, determinações e medos impostos pela sociedade e pelo próprio ego, as pessoas preocupam-se demais com o que os outros irão pensar sobre elas.

Algumas pessoas tem profundo medo do que pode acontecer se elas assumirem os seus próprios desejos, fazendo algo que iria trazer satisfação em sua vida e esquecem que a vida está presente no agora. E é no agora que o coração clama para que o sigamos, confiando e fluindo, pois é aí que está a verdadeira evolução e o verdadeiro aprendizado que trará a paz e a satisfação interior. Assim, o autoconhecimento nos leva ao desenvolvimento de nossa consciência, transcendendo as couraças e indo em direção da nossa verdadeira essência de amor, uma viagem que exige mais coragem do que segurança.

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Quem sou

Nascida em Belo Horizonte, apaixonada pela vida urbana, sou fascinada pelo meu tempo e pelo passado histórico, dois contrastes que exploro para entender o futuro. Tranquila com a vida e insatisfeita com as convenções, procuro conhecer gente e culturas, para trazer de uma viagem, além de fotos e recordações, o que aprendo durante a caminhada. E o que mais engradece um caminhante é saber que ao compartilhar seu conhecimento, possa tornar o mundo melhor.

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