domingo, 29 de janeiro de 2017

Penteu e as contradições humanas





Penteu foi um rei de Tebas, um semi-deus filho de Equion e Agave. Ele era descendente de Cadmo, o lendário fundador de Tebas que tinha sido amaldiçoado por ter matado o dragão consagrado ao deus Ares.

Cadmo e Harmonia eram pais de Ino, Sêmele, Autônoe, Polidoro e Agave. Embora Tebas tenha prosperado sob o reinado de Cadmo, o infortúnio sobrepujou todos os seus seus descendentes que tiveram a vida marcada por tragédias. 
Já idoso Cadmo entregou o trono de Tebas ao seu neto Penteu, mas que seria estremecido por tragédias.

Quando Sêmele estava grávida, sua família não acreditava que o filho era de Zeus, o deus dos deuses. Apaixonado pela bela Sêmele, Zeus fizera o juramento de jamais negar-lhe algo e acabou atendendo ao seu pedido de mostrar-se em seu esplendor. No mesmo instante ela foi fulminada pelos raios que dele emanava.

O filho de Sêmele foi salvo e costurado na coxa de Zeus,  onde completou seu desenvolvimento. Ao nascer Dioniso foi rejeitado pela família de Sêmele, tendo sido entregue para ser criado pelas ninfas. Ao se tornar adulto, Dioniso não era ainda totalmente divino.

Tendo descoberto a videira e seu uso, foi enlouquecido por Hera e vagou por algum tempo até ser curado por Cíbele, a deusa-mãe da Frígia. Depois disso, disseminou seu culto pelo mundo e estava sempre acompanhado pelas Bacantes, um cortejo de seguidoras que bebiam vinho e, em êxtase místico, dançavam freneticamente.

Dioniso estabeleceu o seu culto e enlouquecia a todos que se opunham ao culto que lhe era oferecido. Após viajar por toda a Ásia e outras terras estrangeiras, Dioniso chegou em Tebas disfarçado em forasteiro. Ali reinava seu primo Penteu que havia proibido o culto a Dioniso.

Reunindo as Bacantes, devotas de Dioniso, todas as mulheres de Tebas foram levadas ao delírio no Monte Citeron.  Embora não estivessem enfeitiçados, o velho Cadmo e o adivinho Tirésias apaixonaram-se pelos rituais das bacantes. Entretanto não podiam assistir os rituais devido à ordem do Rei Penteu, que mandou seus guardas prenderem todos os que participassem do culto dionisíaco.

Os guardas do palácio saíram às ruas e retornaram com o próprio Dioniso, disfarçado como um sacerdote de seu próprio culto. Penteu o interrogou com grande interesse nos ritos, mas Dioniso não se revelou e foi encarcerado. Sendo um deus, rapidamente conseguiu se libertar e destruiu o palácio de Penteu com um grande terremoto seguido por um incêndio.

Um pastor chegou com a notícia de que as Bacantes estavam no Monte Citeron realizando feitos incríveis, tal como colocar serpentes em seus próprios cabelos para reverenciar o deus Dioniso, amamentar gazelas e lobos selvagens, fazer o mel e vinho brotar do solo. Quando tentaram captura-las, elas avançaram sobre um rebanho de vacas rasgando-as em pedaços com suas próprias mãos.

Penteu se mostrou curioso e quis ver as mulheres em êxtase. Dioniso se dispôs a atender seu desejo, porém o convenceu a vestir-se como uma Mênade para observar os rituais. Assim que se aproximou do local onde estavam as Bacantes, Penteu começou a ver tudo em duplicidade. Quando quis escalar uma árvore para poder ver melhor, Dioniso usou seu poder divino e colocou o rei nos galhos mais altos.

Assim que chegou ao topo da árvore, Dioniso gritou às suas devotas e mostrou-lhes Penteu no topo da árvore. Ensandecidas e crendo tratar-se de um leão, as bacantes arrancaram Penteu da árvore e rasgaram seu corpo em pedaços.

Agave, que era mãe de Penteu, estava junto das bacantes. Ainda em estado de êxtase, retornou à sua casa carregando a cabeça de seu filho Penteu. Acreditando tratar-se da cabeça de um leão da montanha que havia caçado, ela exibiu o crânio para seu pai. Diante da expressão de horror de Cadmo que reconheceu a face de seu neto, lentamente Agave percebeu a tragédia consumada e enlouqueceu.



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Do mito de Penteu podemos depreender as consequências das paixões, da ilusão desordenada, do delírio do poder, da irracionalidade, do desvario, da perturbação e das loucuras, demonstrando a necessidade de autocontrole, moderação e sabedoria para evitar dois extremos: a tirania da ordem excessiva e o frenesi das paixões.

De fato, a paixão nos estimula a viver cada instante com intensidade, nos motiva a realizar façanhas inimagináveis em busca de objetivos aparentemente inatingíveis, tornando possível o que antes parecia impossível.

Apaixonados por um estudo, por um trabalho, por uma causa ou por uma pessoa, somos capazes de buscar em nosso íntimo a maior das forças para superar qualquer obstáculo. No entanto, se nos entregarmos irracionalmente ao frenesi da paixão, nos tornamos cegos para todas as outras questões, o que pode nos levar além do que é moralmente e eticamente aceitável.

Se uma das funções do mito é possibilitar que estejamos em contato com os nossos próprios aspectos que nos causa temor, também nos mobiliza para nos reconhecermos em nossos atos. A vida humana não tem a melhor das eficácias, não é regular, nem linear e muito menos coerente.

Somos responsáveis por nossas paixões e pelos rumos de nossa vida. Se nos deixarmos ser governados pela desrazão, podemos pagar um alto preço. No entanto, a razão excessiva impõe limites e restringe a nossa criatividade. Essas são contradições com as quais precisamos saber conviver e encontrar equilíbrio...


 

Abas e a convivência familiar





Abas era um conquistador de sucesso. Segundo a lenda, teria fundado a cidade de Abas na região central da atual Grécia, que abrigava um dos Oráculos de Apolo. 

Era filho da última das Danaides, Hipermnestra e Linceu. Com sua esposa Aglaia, ele foi pai de 4 filhos: Lyrcus, os gêmeos Acrisius e de Proetus ou Preto e a filha Idomene. Assim ele fundou uma linhagem e os reis de Argos passaram a ser chamados de Abantidas.

Abas legou seu reino para os filhos gêmeos Acrisius e Proetus, ordenando-lhes que deveriam governar alternadamente.
Porém os gêmeos já brigavam ainda quando dividiam o ventre de sua mãe. Mais uma vez se repetiria a mesma saga que envolveu seu avô Danaus e Egipto.

Egipto expulsou Danaus do seu reino com suas 50 filhas. Mas quando Danaus e as suas filhas, as Danaides, descobriram a fonte de água pura, Egipto propôs a Danaus casar suas 50 filhas com os seus 50 filhos.


Danaus concordou mas aconselhou as filhas a matarem seus esposos na noite de núpcias. Porém Hipermnestra poupou a vida de Linceu porque o amava. Desta união nasceu Abas. No entanto, Egipto matou Danaus e Linceu foi coroado rei de Argos.

As 49 Danaides foram condenadas a encher com água um tonel sem fundos. Quando Abas informou ao seu pai da morte de seu avô Danaus, ele foi recompensado com o escudo de seu avô que era sagrado para Hera. Abas foi considerado grande guerreiro e mesmo depois de sua morte, os inimigos de sua família real fugiam perante o seu escudo.

Acrísius reinou em Argos e Proetus em Tirinto, ficando a Argólida dividida em dois reinos. Acrisius teve uma filha, Dânae, e devido à previsão do oráculo de que seu neto o mataria, ele prendeu a filha numa torre. Dânae teve um filho de Zeus, quando ele se transformou numa chuva de ouro. Assim nasceu Perseu, o descendente mais famoso de Abas. 




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O mito de Abas está relacionado à difícil convivência nas famílias e o ódio que nasce nas relações familiares. Os conflitos familiares remontam à antiguidade e sobrevive ainda nos tempos atuais. 

Independente da classe social, sejam ricos ou pobres, é frequente as pessoas se queixarem dos relacionamentos familiares conturbados. Mas por que as relações familiares costumam ser tão complicadas?

É óbvio que existem várias explicações teóricas para
esses conflitos, no entanto, para entender as disfunções familiares e a constante desarmonia em família, é preciso que se entenda sobre a convivência social. Enquanto alguns membros se dão muito bem, outros vivem em pé-de-guerra, num verdadeiro barril de pólvora.

O grupo familiar é mais do que um resultado genético (DNA) da união dos pais. A família consanguínea reúne membros
que estão ligados pelos laços de sangue e obviamente pode existir ou não existir afinidades, como valores morais, valores, religiosos, crenças, pensamentos e sentimentos. 

Existem aqueles que se integram ao núcleo familiar, identificando-se com os outros e criando laços afetivos. No entanto, existem aqueles que se sentem estranhos no ninho e não conseguem desenvolver afeição pela família.

Fala-se muito em crise de desintegração da família. Há quem atribua isto ao grande número de separações e divórcios. Outros querem responsabilizar os meios de comunicação, pela divulgação sem censura de uma certa liberalização das relações sexuais etc, etc. 

De fato, estamos vivendo um processo histórico importante de transformação, onde a quebra da ideologia patriarcal impulsionada pela revolução feminista são os elementos determinantes. Mas não se pode falar em desagregação.

É irrefutável a premissa de que a família é, foi e será sempre a célula básica da sociedade. É a partir daí que torna-se
possível estabelecer todas as outras relações sociais. 

Quem não consegue estabelecer uma relação social sadia com os seus familiares, tampouco com terceiros fora no núcleo é que não conseguirá. É na família que se aprende a negociar, fazer acordos, buscar entendimento e saber compartilhar.

As mudanças são mesmo difíceis. Admiti-las significa repensar modelos, paradigmas e abrir mão de determinados poderes instituídos. 

Devemos nos acautelar e desconfiar sempre daqueles resistentes às mudanças, que se posicionam como os guardiões de uma moralidade. Segundo a psicanálise, quanto mais moralizador mais pervertido é o sujeito...



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Quem sou

Nascida em Belo Horizonte, apaixonada pela vida urbana, sou fascinada pelo meu tempo e pelo passado histórico, dois contrastes que exploro para entender o futuro. Tranquila com a vida e insatisfeita com as convenções, procuro conhecer gente e culturas, para trazer de uma viagem, além de fotos e recordações, o que aprendo durante a caminhada. E o que mais engradece um caminhante é saber que ao compartilhar seu conhecimento, possa tornar o mundo melhor.

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