Glauco era uma divindade marinha cujas origens divergem, mas a lenda mais conhecida diz que era filho de um pescador. Um dia, pescando em uma ilha, descobriu que ao colocar na relva os peixes que pescava, os peixes retornavam à vida. Assim decidiu provar as folhas.
Logo sentiu vontade de entrar na água e os deuses Oceano e Tétis receberam o novo membro com honras. Seu aspecto mudou, passou a ter cabelos verdes e cauda de peixe no lugar das pernas. A partir daí, pertencia definitivamente ao mar. Glauco se apaixonou pela bela ninfa Sila, mas não foi correspondido, pois ela se afastou assustada rejeitando sua aparência. Ele contou a história de sua metamorfose mas a ninfa continuou fugindo.
Glauco resolveu pedir ajuda à Circe, feiticeira que morava na ilha. Solicitou-lhe uma poção para que retomasse seu antigo aspecto. Porém, Circe se apaixonou por Glauco e tentou fazê-lo mudar de ideia, dizendo que ele devia desprezar a ninfa e devotar seu amor a quem pudesse correspondê-lo, mas não adiantou. Glauco disse que era mais fácil árvores crescerem no fundo do oceano e algas no alto das montanhas do que ele deixar de amar Sila.
Como Circe o amava e não quis puni-lo, voltou-se contra a rival. Foi até a Sicília e derramou uma poção venenosa na fonte em que a ninfa se banhava, pronunciando encantamentos. Quando Sila entrou na fonte, viu serpentes e outros monstros na água. Tentou fugir mas descobriu que os monstros eram partes de si mesma. Desesperada corre ao encontro de Glauco mas ele lamenta que a beleza perdida e sua rejeição anterior fez morrer o amor que sentia.
Sila retirou-se e foi viver no estreito Messina, entre a Sicília e a Itália, aterrorizando os mortais que antes a cortejavam, deslumbrados com sua extraordinária beleza. Glauco passou toda sua existência na lembrança da bela e doce ninfa que se perdeu nos feitiços criados pelo ciúme. Presa no local, Sila tornou-se horrível como sua forma e passou a devorar os marinheiros que por ali passavam. Depois transformou-se num rochedo, mas mesmo assim continuou a ser o terror dos marinheiros, que passaram a evitar de navegar perto dos rochedos.
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O mito simboliza as tramas do amor não correspondido. Um dos mais terríveis sentimentos experimentados pelo ser humano é o de rejeição. Todo ser humano está sujeito a isso. Em algum momento de nossas vidas podemos nos sentir rejeitados, sentir-se não querido, não amado, não aceito, preterido, discriminado, humilhado. Isso provoca sensação de abandono e de depreciação. A rejeição pode ser real ou imaginária, mas sempre é dolorosa. Ocorre nos relacionamentos amorosos, na vida social, familiar ou no trabalho.
Algumas pessoas são mais sensíveis a esse sentimento e muitas vezes, basta um estímulo pouco significativo para sensibilizar uma personalidade já predisposta, que interpreta como uma rejeição de fato. Habitualmente são pessoas com baixa auto-estima ou que sofreram em situações anteriores. São afetivamente carentes e apresentam maior vulnerabilidade, já que desejam amor e aceitação a qualquer preço. Uma critica pode significar humilhação.
Nas relações amorosas a sensação de rejeição pode precipitar sérias consequências. Ao iniciar um relacionamento o medo da rejeição é normal e à medida em que a relação progride, essa insegurança diminui. Porém, em pessoas predispostas, ocorre o inverso. O medo da rejeição leva à necessidade insaciável de segurança e tem o mesmo efeito da rejeição real. Como consequência, seu comportamento se molda de modo a gerar raiva em seu parceiro. A todo o momento tem de ser ressegurado do afeto do outro.
Uma observação, um tom de voz, uma resposta considerada evasiva, mobiliza o sentido de perda e abandono. Quando não está junto, sente dúvidas sobre os sentimentos do outro. A insegurança reforça o sentimento de rejeição e o sentimento de rejeição reforça a insegurança. Parece emitir a mensagem: faça o que quiser, mas não me abandone, num constante estado de alerta a qualquer nuance que lhe soe rejeição. Finalmente a profecia se auto realiza. O relacionamento termina. A obsessiva solicitação, a desconfiança, o ciúme, acabam sufocando o parceiro que põe fim à situação.
Para qualquer um, o término de um relacionamento é desagradável. Pessoas emocionalmente maduras lamentam a perda, mas levam sua vida em frente. Pessoas imaturas, com baixa auto-estima, resistem à perda, reagem a ela como se perdessem a si mesmas e não ao outro. O amor próprio precário é ferido e a pessoa insiste em ter de volta o ser amado, considerando ser sua tábua de salvação.
A sensação crônica de rejeição leva à ansiedade, raiva, depressão, ao ciúme patológico e a pessoa pode entrar em processos autodestrutivos. Diferentemente do que pensam essas pessoas, a cura não é procurar encontrar um outro amor, pois ainda estariam vulneráveis à rejeição. O alivio é procurar a si mesmas, num trabalho de resgate da auto-estima que possibilite amar a si mesma, para poder amar e ser amada pelo outro.
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