Rei da Tessália, o jovem Admeto tratava muito bem seus súditos e servos. Foi sua sorte pois, sem que soubesse, o deus Apolo tomou lugar entre seus empregados. O deus ficou tão admirado com o bom tratamento que o rei dispensava a todos e resolveu recompensar aquela bondade tornando-se seu protetor.
Primeiro ajudou Admeto a desposar a bela princesa Alceste, que era disputada por outros reis mais poderosos. Depois prometeu-lhe que, quando chegasse sua hora de morrer, ele teria uma segunda chance podendo viver o mesmo número de anos que já tivesse vivido. Admeto e Alceste experimentaram por alguns anos as alegrias de um matrimônio feliz. Tiveram dois filhos que foram recebidos com grande júbilo pelos súditos e idolatravam o casal real.
Entretanto, o jovem Admeto adoeceu repentinamente, tomado por uma enfermidade que parecia não ter cura. Pressentindo que ia morrer, invocou seu protetor Apolo. O deus o tranquilizou dizendo que a promessa seria cumprida. Tudo estava acertado com a Morte. No entanto a Morte exigia uma compensação: ela pouparia Admeto se alguém se oferecesse para morrer no lugar dele.
Como era um rei admirado, todos achavam que não haveria problema em satisfazer aquela condição. Mas Apolo enganou-se: ninguém quis assumir o lugar do jovem rei enfermo, nem mesmo seu pai e sua mãe, que já eram bem velhinhos. Ao saber disso, sua esposa, a doce e jovem Alceste, apresentou-se como voluntária alegando que não poderia continuar vivendo depois que o marido morresse.
Admeto chorou de gratidão e suas lágrimas se misturaram com as dela, numa tocante cerimônia de adeus que a Morte interrompeu para levar a rainha. Quando o pai veio lhe dar os pesames, Admeto inconsolável investiu contra ele acusando-o de egoista e insensível. O velho retrucou dizendo que gostava muito da vida para desperdiçar o pouco que lhe restava e que ele fora egoísta e covarde ao permitir que sua mulher o substituisse.
O invencível Hércules ou Héracles, comovido com a trama que envolvia o casal, enfrentou corajosamente a Morte e conseguiu trazer a rainha de volta. Mas aquele desfecho surpreendente não teria um final feliz. Admeto ficou radiante, mas Alceste não emitiu uma só palavra ao se reencontrar com o marido. Uns dizem que ela estava muda de espanto com o que tinha visto no outro mundo.
Sem dúvida, podia ser espanto, mas o motivo era bem outro: ao passar para o outro mundo, pode ver, pela vez primeira, o avesso de nossas vidas e tinha compreendido que o amor e a morte, a generosidade e o egoísmo, a coragem e a covardia se entrelaçam, são inseparáveis, para formarem essa figura complexa, rica e imperfeita que é todo e qualquer ser humano.
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Quanto mais se evita sofrer mais se sofre, porque coisas pequenas podem nos atormentar na proporção do nosso medo de sofrer. Todo aquele que evita o sofrimento, ao final sofre mais ainda, porque o sofrimento advém de coisas tão mínimas e triviais que se torna sem objetivos.
A experiência de enfrentar a perda e a morte é um dos eventos mais estressantes, principalmente quando atinge os nossos laços afetivos. Ainda pequenos nos apegamos à nossa mãe, pela necessidade de segurança e proteção. Quando nosso objeto de apego está ausente ou há ameaça de perdê-lo, sofremos forte reação emocional e nos sentimos perdidos. Conforme Bowlby, em sua teoria do apego, quando somos ameaçados pela perda ou separação, reagimos de três maneiras:
A princípio protestamos, não admitimos a ausência do objeto amado. A seguir o nosso comportamento é de desespero, pois, não temos mais acesso a ele e não sabemos lidar com essa privação. Mas num terceiro momento nos defendemos e nos desapegamos, precisamos restabelecer a nossa homeostase e se não utilizarmos esse mecanismo de defesa estaremos sujeitos a sucumbir emocionalmente. Toda perda significativa pressupõe o luto, um processo que visa retirar a energia fixada no objeto perdido e redirecionada para outro objeto, segundo Freud.
Essa desvinculação do objeto perdido nos ajuda a vencer as etapas do luto, pois se nos fixarmos na perda e no objeto perdido estaremos contribuindo para que o processo do luto se desenvolva de maneira patológica. O luto é feito em fases: logo após a perda sentimos aflição e topor. Há momentos de negação, por horas ou dias. Depois temos o anseio de reencontrar, sonhamos insistentemente e interpretamos tudo como a presença de quem se foi.
Mas precisamos sobreviver e a vida nos impulsiona novamente para a homeostase, mas para que isso aconteça precisamos nos permitir viver a dor e a tristeza da perda. Cada um de nós vai processar essa experiência à sua maneira, mas precisamos dar vazão aos sentimentos que nos sufocam. O luto pressupõe tarefas, conforme nos aponta Worden em seu livro Terapia do Luto.
A primeira tarefa que precisamos realizar é a aceitação da realidade da perda, sem isso não poderemos prosseguir no processo. Após a aceitação dessa nova realidade em nossa vida precisamos trabalhar a dor que emerge da perda, e quanto mais significativa for essa perda mais sentimos dor. Se avançarmos na realização das tarefas do luto temos que nos acostumar com a falta da pessoa perdida no ambiente em que vivíamos com ela.
A vida nos chama e precisamos reposicionar em termos emocionais a pessoa que perdemos. É hora de destinar um lugar adequado para o ente querido que não está mais aqui conosco, mas que poderá permanecer para sempre em nossas lembranças. Com isso nos damos o direito de nos abrirmos a novas experiências com outras pessoas e com o mundo.
Há certos tipos de perdas, como um suicidio, que levam a um tipo especial de luto, pois nesse caso, um alto grau de culpa pode se estabelecer. Pode vir o sentimento de que poderíamos ter feito algo para evitar o fato. Também sentimos raiva do morto por ter nos colocado em uma situação onde além de perdermos somos estigmatizados pela sociedade como alguém que não foi capaz de impedir o acontecimento.
O aborto é outro tipo de perda que indica um tipo de luto especial, primeiro porque é uma perda carregada de auto censura mesmo que tenha sido espontâneo. E se o aborto foi provocado há muito mais dificuldade de ser elaborado, pois está enquadrado entre as perdas socialmente negadas. Fica difícil para uma adolescente procurar ajuda para esse conflito, principalmente nos países em que o aborto é crime.
Outro tipo de perda de difícil resolução é a perda ambígua. Conforme Walsh, a dificuldade em aceitar a realidade da perda e dar vazão ao processo do luto é a ausência do corpo do morto, nesse caso fica a sensação de que a qualquer momento a pessoa perdida poderá reaparecer. É muito difícil, por exemplo, para uma mulher que foi à praia com o marido e esse desaparece repentinamente no mar sem nunca mais retornar. O filho sequestrado ou desaparecido leva a mãe à não se desligar mais do evento da perda e a esperança de reencontro poderá durar indefinidamente.
Outro tipo de perda que leva a um luto mais dificultoso é a perda por assassinato. Sabemos que se o assassino continua solto após cometer o crime e dificilmente a família ou o ente querido mais atingido conseguirá entrar no processo do luto enquanto o assassino não for apenado. As questões legais e a morosidade da justiça dificulta a entrada da pessoa no processo e o que se observa é um desejo de vingança ou justiça, que embotam outros sentimentos que deveriam emergir para facilitar o processo do luto.
É muito difícil para nós da sociedade ocidental lidarmos com as perdas até porque nos apegamos em demasia às coisas materiais e somos insistentemente estimulados para o consumismo deixando de lado outros valores que agregam bem-estar e satisfação. Necessário se faz que estejamos dispostos a refletir e trabalhar as questões pertinentes à morte e às perdas, que muito facilitaria nossa vida e a nossa compreensão sobre a morte.
Nossa! Apenas agora, e por mero acaso, encontrei seu blog. Muito bom.
ResponderExcluirPodemos resumir estes sofrimentos humanos com o ensinamento budista que diz que toda origem do sofrimento humano provém do fato de que o homem é um ser desejante. O homem sofre porque deseja.
Belíssima reflexão! Encarar as perdas como sendo às vezes algo absolutamente necessário nos ajuda a superar nossa fragilidade humana.
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