terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Cadmo e a autocomiseração




Cadmo, Europa, Phoenix e Cilix eram filhos de Agenor, Rei de Tiro. Certo dia enquanto Europa brincava na praia ela viu um belo touro branco misturado à manada de seu pai. 

Apaixonada pelos animais, Europa foi admirá-lo quando o touro convidou-a a subir em suas costas. Na verdade o touro era Zeus, que tinha se disfarçado para raptá-la. Esse fato viria a interferir no destino de toda família.

Agenor ordenou que seus filhos Cadmo, Phoenix e Cilix procurassem pela irmã e não voltassem sem ela. Não encontrando a irmã, cada um fundou um reino: Phoenix fundou a Fenícia - o atual Líbano, Cilix fundou a Cilícia e Cadmo chegou em Delfos, onde o oráculo disse que, assim que saisse do santuário, encontraria uma vaca que ele deveria seguir e fundar uma cidade onde ela parasse.

Ao sair do santuário ele encontrou uma vaca e a seguiu por um longo caminho. Quando a vaca se deitou para repousar, Cadmo percebeu que ali seria o local de sua cidade que se chamaria Tebas. 

Cadmo decidiu sacrificar a vaca em homenagem aos deuses, mas precisando de água mandou que seus ajudantes fossem até uma fonte. Entretanto, quando os ajudantes chegaram na fonte foram atacados e engolidos por uma grande serpente.

Quando Cadmo veio a procura de seus ajudantes encontrou apenas o monstro saciado e, mesmo sozinho, matou a serpente. Aconselhado por Athena, ele semeou os dentes do animal no solo de onde saiu um grupo de guerreiros armados com espadas e lanças. 

Cadmo lançou uma pedra no meio deles e assim os guerreiros atacaram uns aos outros. Restando apenas cinco, os espartanos se juntaram a Cadmo e fundaram as cinco grandes famílias de Tebas.

Cadmo ensinou o alfabeto aos gregos e Tebas tornou-se rica e poderosa. Casou-se com Harmonia, filha de Afrodite e Ares, e teve os filhos: Autonôe, Polidoro, Ino, Sêmele e Agave. Anos depois, quando os deuses descobriram que ele havia matado a serpente consagrada a Ares, os deuses amaldiçoaram Cadmo, sua esposa e toda a sua descendência. Por isso, a vida de seus filhos, netos e todos os que vieram depois foram marcadas por tragédias.  

Sua filha Autônoe casou-se com Aristeu e foram os pais de Acteão. Já crescido, quando Acteão estava a caçar na floresta deparou-se com Artemis e as suas ninfas banhando-se num lago. Famosa por sua castidade, Artemis ficou indignada e transformou Acteão em um cervo que foi devorado por seus próprios cães de caça.

Seu filho Polidoro casou-se com Nicteia e quando ele faleceu, seu filho Lábdaco sucedeu-o e foi o pai de Laio. No trono de Tebas, Laio casou-se com a bela Jocasta e seu reino se tornou um dos mais prósperos da Grécia. 

Quando Jocasta anunciou a chegada do herdeiro, Laio teve o terrível presságio: " O filho matará o próprio pai e se tornará o soberano casando-se com a mãe; isto será a ruína de Tebas". Por isso Laio abandonou o filho em uma montanha logo que ele nasceu.

Mas o Destino já decidira que a criança não morreria e que as palavras do Oráculo se cumpririam. Um pastor caminhava pelo bosque e ouviu o choro do pequeno. Compadecido, levou a criança para Corinto, entregando-o ao Rei Pólibo e sua esposa Mérope que não podiam conceber um filho. Tomados de felicidade, deram-lhe o nome de Édipo, cujo nome significa "O de pés inchados". 

Quando cresceu, Édipo quis saber quem eram seus verdadeiros pais. A caminho de Tebas, sem saber matou seu pai Laio numa estrada. Chegando em Tebas, sem saber que Jocasta era sua mãe, Édipo casou-se com ela.

Édipo teve um triste destino assim como seus filhos Ismenia, Antígona, Etéocles e Polinice. Envergonhada, Jocasta se matou. Édipo furou os próprios olhos e renunciou ao trono. Cego, ele foi guiado por sua filha Antígona até chegar em um bosque onde penetrou numa caverna indo para a eternidade. 

Os irmãos Etéocles e Polinice entraram numa acirrada disputa pelo trono e numa sangrenta luta ambos morreram. Ismenia foi morta pelo guerreiro Tideu e Antígona, a mais bondosa filha de Édipo, foi cruelmente enterrada viva quando insistiu em dar um funeral dígno a Polinice. O filho de Polinice foi morto quando chegou em Tebas para reclamar o corpo de seu pai.

Outra filha de Cadmo era Ino que casou-se com Atamante e teve dois filhos: Learco e Melicertes. Atamante tinha abandonado a esposa e filhos para ficar com Ino, mas por não suportar os filhos de Atamante com a ex-esposa ela tramou um plano cruel. Na época da semeadura, ela molhou o trigo provocando fracasso na colheita. Atamante mandou mensageiros ao Oráculo de Delfos, mas Ino havia instruído os mensageiros a dizer que Frixo deveria ser sacrificado a Zeus.

Sabendo dos planos de Ino, Néfele que tinha recebido dos deuses um carneiro voador com o velo ou lã de ouro, mandou que o carneiro voasse para longe levando seus filhos. 

Porém Hele caiu no mar e, pela ira dos deuses, Atamante enlouqueceu. Acometido de súbita fúria, Atamante lançou seu filho Learco pela janela do palácio. Tomada de pavor, Ino se precipitou de um rochedo com o outro filho Melicerte.

Sêmele, uma das filhas de Cadmo, foi seduzida por Zeus e teve o filho Dioniso, o deus do vinho. Enciumada, Hera - a esposa de Zeus, sugeriu a Sêmele que pedisse a Zeus mostrar-lhe todo o seu esplendor. Como Zeus tinha prometido jamais recusar-lhe um pedido, ele se revelou como um relâmpago e Sêmele foi fulminada. 

Zeus retirou a criança do útero de Sêmele e a implantou em sua própria coxa. Assim nasceu Dionísio que foi rejeitado por Cadmo e sua família por não acreditar que ele fosse um deus, por isso sua tia o entregou para ser criado por Sileno.

A última filha Agave tinha se casado com Equion, um dos guerreiros nascido dos dentes da serpente. Eles eram os pais de Penteu que herdou o trono de Cadmo em sua velhice. Já crescido Dionísio retornou a Tebas com suas Bacantes, onde Penteu proibia o culto ao deus. Alucinadas as mulheres de Tebas, inclusive Agave, acompanharam as Bacantes. 

Em êxtase elas atacaram Penteu e o despedaçaram. Ainda em estado de êxtase Agave retornou à sua casa carregando a cabeça de seu filho Penteu acreditando que fosse a cabeça de um leão da montanha que havia caçado. Ao perceber a expressão de horror de Cadmo, lentamente Agave percebeu a tragédia consumada e enloqueceu.

Cadmo e Harmonia não esqueciam o infortúnio de sua família. Atormentado pela lembrança dolorosa que não o abandonava, Cadmo descontrolou-se. Voltando os olhos para o céu exclamou inconformado: “Se a vida de uma serpente é tão cara aos deuses, eu preferia ser uma serpente!”. Imediatamente eles foram transformados em serpentes, porém a maldição dos deuses pesou sobre todos os seus descendentes.


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O mito de Cadmo faz parte das tragédias gregas que, apesar de parecerem crueis, não são muito diferentes dos acontecimentos da atualidade. A história do homem em todas as suas nuances, sua grandeza, seu heroísmo e covardia, suas virtudes e vícios, parecem ter permanecido intactos. O espírito humano, apesar das inovações tecnológicas, continua a agir nos mesmos moldes como nos contam os grandes clássicos da literatura.

Dentre muitos acontecimentos, uma oportunidade de emprego perdida, um amor que não se realiza, um negócio que não se concretiza, tudo pode despertar sentimento de fracasso. 

É inevitável que pensemos que certas coisas só acontecem com a gente e que nem percebamos que frustrações, decepções e revolta pelos acontecimentos que nos sucedem, fazem parte da natureza humana e acontece com todo mundo. No entanto, o que pode faz a diferença é o modo como iremos trabalhar isso.

Tragédias acontecem todos os dias e se o mundo parasse para escutar o pranto dos sofridos, viveríamos num mar de lágrimas. O mundo não pára diante das nossas tragédias pessoais e, se resolvermos sentar no meio fio da avenida e chorar copiosamente, estaremos simultaneamente abrindo caminho somente para duas possibilidades: a autocomiseração - a pena de si mesmo - e despertar pena nos outros.

Quando permitimos que a autocomiseração se instale, encontramos a oportunidade para querer lastimar tudo o que consideramos como fracassos e frustrações de nossa vida. Daí fazemos um retrocesso desde o dia que nascemos e vamos tecendo um rosário de lamentações. 

Apesar de distantes no passado, começamos a reconstituir até mesmo os mais insignificantes fatos para justificar nossa atual atitude. Semelhante às cenas de infância, dramatizamos para que alguém venha com a prazeirosa sentença: - "Tadinho de você... machucou?". É assim que surge um "Coitado".

Coitados desejam despertar a compaixão dos outros, que pode até confortar naquele momento. Porém engana-se quem acha que através de sua condição premeditada pode fazer com que o mundo inteiro sinta peninha de si: a vida não passa a mão na cabeça de ninguém, a vida espera que cresçamos apesar de todos os acontecimentos que ela encerra. E só podemos crescer quando abandonamos a ideia dessa condição degradante, que nos limita, nos aprisiona e nos impede de viver em liberdade e plenitude.

Mesmo que tudo esteja dando errado, não é a autocomiseração que fará dar certo. É justo chorar, desabafar e colocar pra fora as nossas frustrações, mas que nossas lágrimas possam nos revigorar e não nos destruir. 

Quem faz sempre as mesmas coisas, não pode esperar resultados diferentes. Se tudo está dando errado, mude a postura. As circunstâncias mudam a todo momento, basta saber percebê-las. Os mitos são histórias comuns, contadas de modo esplêndido, para que possamos reconhecer a beleza que a história humana pode conter.




quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Oceanus, o deus de todos os mares




Os Titãs representam as manifestações elementares em evolução e uma dessas forças indomáveis era o Titã Oceanus, descrito como um homem de corpo musculoso com longas barbas, garras de caranguejo na cabeça e cauda de uma serpente. Filho de Urano e Gaia, concebido inicialmente como um rio que serpenteava a Terra, Oceanus era a água personificada que rodeava o mundo. Era o rio cósmico original passando depois a representar o Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo. 

Com a evolução dos conhecimentos geográficos, Oceanus passou a representar todas as águas salgadas desconhecidas, enquanto Poseidon reinava o Mediterrâneo. Na maioria das variantes do mito da guerra entre os Titãs e os Deuses Olímpicos ou Titanomaquia, Oceanus foi um dos que não se envolveu contra os Olímpicos, tendo se mantido afastado do conflito. Oceanus também teria recusado aliar com Cronos na sua revolta contra seu pai Urano.

Do seu casamento com Tétis, que simbolizava a fecundidade feminina do mar, nasceram as ninfas dos mares ou Oceânides, que personificavam os rios, riachos, fontes e nascentes. Também nasceram as Nereidas além de todos os seres marinhos que tomavam parte ativa nas aventuras dos deuses, tal como os golfinhos. E assim, Oceanus e Tétis passaram a representar o fluir das águas e da vida.

As oceânides eram representadas coroadas de flores acompanhando a concha de sua mãe Tétis em seus cortejos marítimos e viviam nos fundos inacessíveis do mar e do Oceano. Elas se uniram a deuses e mortais criando uma nova descendência numerosa. Seres semidivinizados e objetos de culto, às oceânides eram oferecidos sacrifícios, tais como touros e cavalos lançados em sua correnteza.

Os mais prestigiados eram os deuses-rios. Os gregos representavam o Nilo como um deus que fertilizou o Egito. Os deuses-rios Nilo e Escamandro geraram outras ninfas ao se unirem com outros elementos. Os rios do Hades simbolizavam os tormentos dos condenados como Aqueronte, o rio das dores. Cocito era o deus-rio dos gemidos e das lamentações e Lete a deusa-rio do esquecimento.

O deus-rio Achelous e Melpômene geraram as Sereias e de outros amores nasceram várias fontes, como a Castália em Delfos utilizada na preparação da pitonisa do Oráculo de Apolo. Alguns rios ainda simbolizam o grande rio cósmico, como o Jordão na Palestina, o Nilo no Egito e o Ganges na Índia.

Entre as oceânides estavam incluídas também: as Néfelas - ninfas das nuvens, as Auras - ninfas das brisas, as Náiades - as ninfas das nascentes, as Limoníadas - ninfas dos pastos, as Antusas - ninfas das flores. Outro grupo de oceânidas eram descritas como assistentes das deusas olímpicas, sendo mais conhecidas: as 60 companheiras de Ártemis, Peitho - a criada de Afrodite e Clímene - a aia de Hera. 


 Algumas das oceânidas personificavam bênçãos divinas, tais como Métis (Sabedoria), Clímene (Fama), Pluto (Riqueza), Tique (Boa Sorte), Telesto (Sucesso) e Peitho (Persuasão). A deusa Nêmesis (Retribuição) às vezes também é incluída, como a que providenciava equilíbrio aos dons de suas irmãs punindo a boa sorte não merecida. Esses bons daimones eram os Agathoi ao contrário dos Kakoi, que eram maus daimones. Na Teogonia eram descritas 3.000 oceânidas , tantas quantas seus irmãos, os deuses-rios e nomeia outras 41 oceânidas chamadas de "áureos tornozelos". 


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Os rios sempre foram vistos como uma potência misteriosa, por isso provocam veneração e também medo. Assim surgiu os conselhos para que ninguém ousasse atravessar um rio sem determinados ritos. 

Hesíodo aconselhou: "não atravessem teus pés as magníficas correntes dos rios eternos. Antes, com os olhos cravados em seu curso, faz uma prece e lava tuas mãos nas águas frescas e límpidas. O rio e seu escoamento de água é a imagem da fertilidade e renovação, mas também de morte. A descida para o Oceano representa o reencontro das águas."

Os rios podem bem representar a existência humana em seu fluir, na sucessão de sentimentos e na multiplicidade de desvios. O filósofo Heráclito acreditava nessa continuidade quando dizia que tudo está em mudança e nada permanece parado ou inalterado.

Comparando o que existe à corrente de um rio, o filósofo ainda dizia que nunca iremos penetrar duas vezes no mesmo rio. Se o rio corre, seu fluxo muda. Nunca tocaremos nas mesmas águas e também já não seremos os mesmos. A vida flui como um rio, tudo que passa não volta porque segue a correnteza. Tal qual Oceanus, temos de filtrar as nossas escolhas, ambientes, situações e sentimentos, pois o que fazemos de nossa vida irá tecer o nosso destino.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Dríope e o autoengano



Dríope e Andraemon era um casal que estava feliz com o nascimento de seu primeiro filho. Certo dia Dríope saiu com seu filho pelo bosque junto com sua irmã Iole e enquanto caminhavam pela margem de um rio avistaram muitas flores. Apesar de saberem que os bosques pertenciam às ninfas, elas tiveram a ideia de colher flores.

Carregando o filho no colo, Dríope viu perto da margem do rio um lótus que crescia, repleto de flores cor de púrpura. Dríope colheu algumas flores quando percebeu que o sangue escorria da haste de uma flor. Horrorizada Dríope quis fugir mas imediatamente sentiu que não podia mover seus pés que começaram a enraizar-se no solo. Aos poucos foi sentindo que seu corpo se tornava endurecido como madeira.

Iole contemplava o triste destino de sua irmã que aos poucos se metamorfoseava numa árvore. Gritando por ajuda veio Andremon em seu socorro, mas nada mais podia fazer. A flor que Dríope havia ceifado do jardim era a ninfa Lótis que fora metamorfoseada quando fugia de um perseguidor. 

As últimas palavras de Dríope foram direcionadas à irmã para que tomasse conta de seu filho recomendando que ele fosse cauteloso ao andar pelas margens do rio ao colher flores, pois em cada moita de arbustos poderia haver uma ninfa enfeitiçada... 


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O mito de Dríope simboliza o autoengano, a pior mentira que contamos para nós mesmos. A todo momento estamos lidamos com a realidade, mas por ingenuidade ou conveniência vemos apenas o que queremos ver, embora o que parece de fato pode não ser o que aparenta.

Tudo no mundo tem forma, ocupa um lugar no espaço e tempo, apresenta textura, consistência, cheiro e cor que marca sua presença no mundo e o distingue. É a aparência que os seres utilizam para influenciar o meio com o qual se relacionam. Com a aparência pode-se seduzir, atrair, aproximar, inibir, afastar, provocar medo ou proteger-se. Essa é uma estratégia inteligente dos seres animais, vegetais e minerais. 

As flores seduzem os insetos com suas cores e perfumes, pegando carona em suas asas para enviar seu polém e sementes para outros lugares distantes e assim garantir a perpetuação de sua espécie. Pássaros cantam, usam sua plumagem e dançam para atrair as fêmeas para o acasalamento. Há também aqueles que usam disfarces, como os leões que exibem suas jubas para determinar poder, força e superioridade.

Alguns animais, tal como o camaleão, se adaptam às cores do ambiente para confundir o seu predador. E até mesmo os seres inanimados tem essa característica de esconder sua verdadeira essência, por exemplo, uma rocha que não mostra as pedras preciosas em seu interior. Ou seja, é da natureza tentar enganar ou confundir os outros através da aparência.

A análise dos fenômenos da aparência existentes na natureza, ganha contornos mais complexos no ser humano. Somos especialistas na arte de enganar pela aparência. Utilizamos maquiagens, escolhemos uma roupa apropriada à ocasião, treinamos a postura, a forma de falar, o que dizer, como dizer, utilizamos próteses e perfumes etc. Em tudo isso há sempre a intenção de causar impressão. O ditado popular: “a primeira impressão é a que fica”, demonstra o poder que a aparência exerce.

Na maioria das vezes somos manipulados pela aparência das coisas e algumas vezes tendemos a agregar qualidades que não existem, somente para ajustar às nossas crenças e intenções. S
omos espertos o suficiente para enganar a nós mesmos, vemos apenas o que queremos ver e usamos os nossos mecanismos psicológicos de defesa. 

Temos uma extraordinária capacidade de mentir com sucesso para nós mesmos, seja para manter viva a chama da vida, seja para nos autoproteger. Na verdade certas feridas nunca cicatrizam, grandes sonhos nunca morrem, decepções nunca são esquecidas e medos permanecem vivos. Quando sofremos algum trauma durante a vida, o subconsciente nunca esquece mas a consciência recusa-se a lembrar. 

Uma dose de fantasia e devaneio é saudável para nossa criatividade, entretanto se for constante pode nos acostumar a um mundo irreal dificultando nossa capacidade de enfrentar a realidade. A ninfa Lótis tentou esconder de seus perseguidores na forma de uma flor, mas se esqueceu que nos jardins haverá sempre aqueles que virão colher flores. Assim são os nossos traumas, tentamos escondê-los mas quando menos esperarmos algo ou alguém virá despertá-los e trazê-los à luz da consciência. 



domingo, 30 de setembro de 2012

Hebe, a deusa da eterna juventude




Conforme a Mitologia Grega, os deuses olímpicos moravam em um imenso palácio construído no topo do Monte Olimpo, uma montanha que ultrapassaria o céu. Descrito por alguns autores como um palácio de cristal, a composição clássica dos doze deuses olímpicos incluia os deuses: Zeus, Hera, Posídon, Atena, Ares, Deméter, Apolo, Ártemis, Hefesto, Afrodite, Hermes e Dioniso, além das Musas que cantavam e dançavam ao som da lira de Apolo. 

A ambrosia era o manjar dos deuses do Olimpo e vetado aos mortais. Descrito como um poderoso alimento de sabor divinal e usado como fragrância perfumada, quando os deuses ofereciam o alimento a uma pessoa comum, ao experimentá-lo sentia-se plena de felicidade e tornava-se imortal. Os alimentos dos deuses teriam o poder de cura e podiam até ressuscitar os mortos nas batalhas.

Deusa da Imortalidade e da Juventude Eterna, Hebe era filha dos deuses Zeus e Hera, tendo herdado de sua mãe o presídio dos casamentos e por isso reverenciada pelas noivas jovens. 

Dedicada aos trabalhos domésticos, ela era incumbida de servir a ambrosia aos deuses que moravam no Olimpo e manter as taças cheias de nectar quando estas esvaziavam. Durante um banquete, enquanto circulava entre os deuses carregando sua bandeja de taças, Hebe desequilibrou e acidentalmente derramou a bebida sobre os deuses. 

Por esse descuido Hebe foi removida de suas incumbências dando lugar ao belo Ganimedes que tornou-se o garçon dos deuses. Ganimedes era considerado o mais belo dos mortais e quando Zeus o viu cuidando de um rebanho ficou maravilhado por sua beleza. 

Transformado em uma águia, Zeus raptou-o e levou-o para o Olimpo, a morada dos deuses. Além de servir aos deuses, Ganimedes servia a água aos homens tornando-se o zelador da água potável. 

Ganimedes passou a ser retratado com uma ânfora por sua função social. O aguadeiro celeste também passou a ser visto como um deus do amor homossexual, transgressor por natureza, por romper com a lógica da procriação da espécie. 

Da mesma forma representava os amores com diferença de idade, o amor do mais velho ao mais novo. Com o fulgor de sua juventude, Hebe passou a dançar junto com a Musas e as Horas ao som da lira de Apolo. 

Após a morte do herói Hércules, ele foi imortalizado e admitido no Olimpo. Por ter perseguido Hércules durante toda a sua vida como mortal, Hera concedeu a ele o casamento com Hebe. 

Dessa união nasceram os gêmeos Alexiares e Anicetus, cujos nomes significam "aquele que afasta guerra" e "o invencível". Por serem filhos da Deusa da Eterna Juventude, eles permaneceram eternamente crianças...


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O mito de Hebe e Ganimedes tem sido relacionado à constelação de Aquário por seu eterno significado de renovação, inovação e atualização dentro de novos conceitos. A deusa Hebe, chamada pelos romanos de Juventa, deu origem ao termo juventude que costuma ser conceituado como o tempo da vida entre a infância e a idade adulta. 

Estando associada aos termos jovem e adolescente, por consequência está relacionada ao frescor e vigor da vida. No entanto a juventude é bem mais que isso, pois depende mais das atitudes que se tem diante da vida do que propriamente a idade. 

Envelhecer é um processo natural da vida e, ainda que seja possível recorrer a tratamentos para retardar os efeitos do envelhecimento, manter uma mentalidade jovem é manter-se atualizado não importa qual idade se tenha. 

Muitos transformam a velhice em angústia e sofrimento, enquanto outros declaram que estão na melhor fase de suas vidas. Gastando a sola do sapato nas danças de salão, fazendo artes marciais, namorando e divertindo com amigos nas viagens, eles vem investindo em três coisas fundamentais ao longo da vida: saúde, vida social e segurança financeira.

Talvez a maioria dos idosos atuais tenha visto seus avós inertes em suas cadeiras de balanço saindo de casa apenas para ir à missa, mas hoje os idosos tem outros interesses. Em sua juventude eles acordavam às 7 para trabalhar, hoje eles acordam cedo para viver, fazer hidroginástica, terapia corporal e não excluem a vida social.

Junto com a Geração da Internet, eles acompanham os avanços tecnológicos que transformaram o mundo numa grande rede global. Se antes se conectavam através do acesso discado, hoje eles buscam aplicativos avançados e estão conectados através de seus dispositivos móveis. 

Estão igualmente interessados em Smartphones, os telefones inteligentes que oferecem mobilidade na comunicação e obtenção da informação instantânea. Talvez não sejam tão ávidos por inovações, mas estão ampliando seus relacionamentos com mais de uma centena de amigos através do Orkut, Twitter ou FaceBook. 

Se antes demoravam horas escrevendo cartas, hoje eles trocam mensagens diárias com seus amigos e se divertem com as imperfeições humanas porque sabem que moralismos, preconceitos e inflexibilidade só prejudicam o equilíbrio consigo mesmos.

Eles olham com pesar aqueles que desejam a eterna juventude do corpo e se deixam dominar pela angústia do envelhecimento. Eles sentem pena de quem mente para si e para o espelho não querendo pensar na idade, mas a verdade é que se torna cada vez mais velho quem tem medo de envelhecer, não se atualiza e resiste aos novos conceitos. 

Encontrar um modo de envelhecer com alegria é como provar da ambrosia dos deuses que não irá garantir a imortalidade mas é o grande segredo de aumentar o tempo de vida. A juventude envelhece, a imaturidade é superada, a ignorância pode ser educada e a embriaguez passa, mas a estupidez dura para sempre... 







segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Lâmia, o Bicho Papão de nossa infância




Segundo a mitologia grega, Lâmia era uma bela rainha da Líbia e amante de Zeus com quem teve vários filhos. Quando Hera - a esposa de Zeus - descobriu o envolvimento de Lâmia com seu marido, transformou-a em um ser monstruoso, metade serpente - metade mulher, condenando-a a jamais cerrar os olhos ou dormir.

Enfurecida pelo ciúme, Hera escondeu os filhos de Lâmia numa caverna. Quando Lâmia foi esconder-se, por estar faminta devorou seus próprios filhos. Sem poder cerrar os olhos ela vivia atormentada por dizimar sua prole. 

Em algumas versões Hera teria assassinado os filhos de Lâmia, por isso Lâmia teria se transformado em monstro devido aos desespero de ver seus filhos mortos. Compadecido pelo trágico destino de sua amante, Zeus concedeu-lhe o poder de retirar os olhos temporariamente e o dom da profecia, sendo o único momento em que do seu tormento esquecia. 

Com sua vida amaldiçoada, Lâmia teria passado a vagar pelo mundo devorando os filhos de outras mães. Descrita em várias culturas como uma criatura de natureza selvagem e maligna, com garras, rosto e busto femininos e o corpo coberto de escamas, conta-se que ela exibia seus belos seios atraindo jovens, viajantes e homens casados para seu covíl para poder sugar-lhe o sangue e devorá-los. 

O objetivo de LÃmia era provocar sofrimento em outras mulheres, pois assim conseguia de alguma forma diminuir seu próprio sofrimento. Era relacionada também aos espíritos femininos que moravam nos rios e fontes, onde costumavam pentear suas longas cabeleiras para atrair amantes. 

Neste aspecto, as Lâmias constituem um antecedente dos súcubos da Idade Média e das modernas vampiresas que se apaixonam por mortais tendo filhos com eles mas não podiam se casar.

O povo da região pediu ao oráculo orientação como acabar com as depredações de Lâmia. O oráculo recomendou que um jovem deveria ser sacrificado para que o povo tivesse paz. O belo jovem Alkyoneus foi escolhido, mas o herói Eurybaros determinou-se a substitui-lo.

Tomando seu lugar, quando Lâmia se aproximou ele a jogou nos rochedos onde uma fonte surgiu. No local nasceu a cidade de Síbari, que era outro nome dado a Lâmia. No entanto, o terror espalhado por Lâmia sobreviveu ao tempo e em várias culturas do mundo. 


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A mitologia grega é rica em mitos femininos facilmente associados a monstros e bruxas, tal como Lâmia, Medéia, Circe, Hécate e outras que descritas como criaturas de poderes especiais capazes de provocar transformações além de realizar terríveis e sórdidas vinganças, o que gerava muito medo. 

Por vezes, Lâmia era associada a Lilith, vista como deusa na mitologia hebraica e sendo difundida como um monstro que devorava as crianças pequenas. Em grego moderno, a expressão "Varrida por Lâmia" refere-se a negligência e se diz que "a criança foi estrangulada por Lâmia" para a morte súbita de uma criança no leito.

Na Roma antiga contam sobre as Strix, que vem de Strega que significa bruxas, mulheres que em certas noites se transformavam em corujas e procuravam crianças para sugar-lhes o sangue. 

Na Idade Média os adultos usavam o nome de Lâmia para amedrontar os filhos e conseguir deles um bom comportamento. Daí surgiu o tal "Bicho-papão", expressão que sobrevive até os nossos dias.

Durante nossa infância ouvimos muitos contos envolvendo bruxas, monstros e outros seres terríveis que nos metem medo. E assim crescemos com a cultura do medo, que mais tarde pode se manifestar em várias áreas de nossa vida na forma de um constante estado de apreensão e insegurança, sendo bem diferente do medo saudável.

O medo saudável é natural e necessário diante dos perigos reais, porque nos levam a ser cautelosos e nos proteger diante de qualquer ameaça, ou quando nos sentimos impotentes perante alguém ou alguma situação, por exemplo numa guerra, em meio a conflitos ou ter medo de água quando não sabemos nadar. Nesses casos estamos sendo racionais avaliando os eventuais riscos, embora não devamos deixar que se transforme em uma paranoia sem limites, pois aí se transforma em medo irracional.

Muitas pessoas deixam de viver plenamente devido as vozes da mente que sempre advertem sobre um risco imaginário. Isso faz com que percam o foco e nunca cheguem a lugar algum, porque o medo sempre as convence a não seguir adiante e, às vezes, pode até fazê-las voltar atrás. 

Essas vozes internas sempre buscam nos convencer que as coisas não vão dar certo, isso porque crescemos com os adultos repetindo que as coisas são difíceis. E quando nos tornamos adultos, essas mensagens guardadas no inconsciente continuam a criar fantasmas em nosso caminho, até que nos conscientizamos delas.

É preciso sobretudo saber distinguir o real do imaginário. Estamos sujeitos a desistir de algo pelo medo de não dar certo, de errar, de perder, de não ser amado, de ser rejeitado, de não superar dificuldades, de não ser aprovado, de ser criticado, de ser demitido etc. 

A lista de medos é enorme incluindo aqueles que parecem inimagináveis, por exemplo, medo de palhaço, medo de imagens, medo de desordem, medo de abrir portas etc.

Outras vezes a ansiedade provocada pelo medo pode nos fazer agir por impulso e de forma precipitada. Em ambos os casos o resultado pode ser danoso, porque o desespero nos leva a movimentos imprudentes e a insegurança nos faz parar. 

Pela influência do medo podemos preferir nos acomodar no que já conhecemos, mantendo a zona de conforto por não acreditarmos sermos capazes de enfrentar ou mudar o que estamos vivendo. 

Assim como o mito, é preciso coragem para confrontar com os nossos medos e descobrir aspectos que ignoramos ou desprezamos. A transição do medo para a autoconfiança surge a partir do momento em que decidimos nos libertar dos medos que nos aprisionam. Tal como outros sentimentos, quanto mais negamos o medo, mais forte ele se torna. É preciso saber que: ou controlamos o nossos medos ou eles nos controlarão. 





sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Cinyras e seu ego inflado




Cinyras era um rei que tinha sucedido seu pai no reino da Ásia e tinha uma admirável riqueza. Ele era um destacado vidente que descobrira as minas de cobre o que lhe rendia muitas riquezas. 

Além disso, foi o inventor das telhas e de ferramentas úteis como o martelo, a bigorna e a alavanca. Famoso por sua beleza, ele tinha despertado os amores de Afrodite, porém rejeitou a deusa do amor.

Cinyras casou-se com a filha de Pigmalião e teve com ela cinco filhos. Algum tempo depois Cinyras apaixonou-se por Cencreis e abandonou a esposa e os filhos. Este segundo casamento foi a sua ruína. 

Dessa união nasceu sua filha Smirna ou Mirra e quando ela cresceu seu pai se gabava dizendo que ela era mais bonita do que a deusa Afrodite. Para vingar-se de tal comparação e da antiga rejeição, Afrodite plantou no coração de Smirna uma paixão pelo seu próprio pai.

Incapaz de conter seus impulsos, Smyrna embebedou seu pai e com ele se deitou durante 12 noites. Quando Cinyras descobriu o que tinha acontecido tentou matar a filha mas ela se refugiou no bosque. 

Ajudada pelos deuses, ela foi transformada em uma árvore. Dessa relação incestuosa nasceu Adônis, um jovem de extrema beleza que passou a designar o máximo da beleza masculina. Por capricho do destino, Adônis e Afrodite viveram uma intensa paixão.

Quando Menelau e Ulisses vieram pedir ajuda durante a Guerra de Troya, Cinyras se comprometeu a mandar uma frota de cinquenta navios e a lutar junto aos Aqueus. Porém ele manteve sua tropa na ilha e, para não deixar de cumprir o que tinha prometido, enviou apenas um de seus filhos com poucos navios pequenos. 

Os aqueus interpretaram isso como uma ofensa e pediram vingança. O deus Apolo desafiou Cinyras para um torneio e o venceu. Cinyras foi humilhado e morreu em Paphos, a cidade que ele construiu.



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O mito de Cinyras simboliza a imprudência das palavras e atitudes que podem ferir o orgulho alheio. Uma das coisas mais difíceis de lidar é com o ego dos outros. Cinyras rejeitou o amor de Afrodite e ainda ousou comparar a beleza de sua filha com a beleza de Afrodite. 

Além disso, declinou do apoio prometido aos Aqueus despertando a ira de Apolo. Ao colecionar desafetos, Cinyras foi derrotado por seu próprio ego inflado.

Para reconhecer um ego inflado basta prestar atenção no comportamento de uma pessoa. Geralmente trata-se de alguém que tem uma visão distorcida de si mesma e acredita que é melhor do que realmente é. 

Segundo especialistas, crianças supervalorizadas na infância, com um excesso de admiração e minos sem limites crescem acreditando que estão acima das demais pessoas. Com essas pessoas é difícil e quase impossível negociar ou trocar ideias.

Uma pessoa com ego inflado acha-se dona da verdade, acredita que sempre tem razão e que suas ideias são melhores do que as ideias dos outros. Ela se torna tão narcisista que acha-se acima da opinião dos outros, além de que tenta dominar as pessoas com as quais convive. 

Considerando-se melhor, acaba tornando-se insuportável. Quando lidamos com pessoas assim, seja no ambiente familiar ou profissional, é inútil querer modificá-las. O último recurso é nos afastarmos delas.

A pessoa de ego inflado só consegue mudar quando sente na pele que o seu comportamento lhe causa perdas, que ninguém a convida para um trabalho em grupo ou um projeto importante, quando perde um emprego, perde uma promoção, perde uma amizade ou um amor. Só assim a pessoa consegue agir de maneira diferente.

É positivo ter orgulho de si, de sua capacidade, de sua posição e uma auto-imagem positiva, desde que se esteja lutando para um objetivo comum ou coletivo e não utrapasse limites. 

Egos inflados tem necessidade de serem permanentemente alimentados, reconhecidos e buscam isso incessantemente a qualquer preço. Apesar de se afirmar que essas características básicas de personalidade podem ser geradas na infância, há também fatos que podem inflar um ego.

Quando uma pessoa obtém uma grande conquista, uma promoção no trabalho ou um fato notável, surge a necessidade de sair do anonimato e tornar-se uma celebridade. Aí está o perigo, principalmente quando a pessoa é o Chefe. 

Quando se identifica um grande ego em um chefe que tem conhecimentos e habilidades que podem acrescentar algo positivo, é tolerável. Porém quando há apenas um grande ego inflado pode causar graves estragos.

Egos inflados estão por toda parte, principalmente nas profissões e nas empresas. Muitos egos inflados sem competências compatíveis, sem conteúdo e sem atitudes positivas, costumam achar que são injustiçados. 

Acham que estão sendo subutilizados e se consideram merecedores de uma função acima. Acreditam que oferecem muito e não são reconhecidos, querem ganhar mais do que podem oferecer e sentem-se prejudicados pelo chefe ou por alguém. São pessoas que não oferecem apoio às novas ideias e ainda desestimulam os outros.

Em geral, pessoas de ego inflado lidam com a dificuldade em estabelecer relações afetivas e profissionais duradouras. Elas nunca admitem que foram abandonadas ou que foram demitidas por incompetência porque seu ego inflado não admite qualquer derrota. 

E pior, difamam, falam mal da outra pessoa ou da empresa e tentam mostrar que são melhores. É possível que até digam, que já não toleravam mais a outra pessoa ou que não aguentavam mais o emprego... 



sexta-feira, 13 de julho de 2012

Aristeu e o domínio da paixão




Aristeu era adorado na Grécia antiga como o protetor dos caçadores, pastores e dos rebanhos. Considerado como o pioneiro da apicultura e da plantação de oliveiras, ele era filho de Apolo e da ninfa Cirene. 

De seu pai ele havia herdado os dons da cura e da profecia, mas mesmo sendo filho de um deus e considerado benévolo, ele não conseguiu a imortalidade estando exposto às vulnerabilidades humanas.

Na véspera do casamento de Eurídice e Orfeu, Aristeu tentou seduzir Eurídice. Quando ela tentou escapar foi picada por uma serpente venenosa. Ouvindo o triste canto de Orfeu pela morte de Eurídice, as ninfas resolveram vingar-se de Aristeu matando todas as suas abelhas. Inconsolado pela perda de sua colméia, Aristeu pediu à sua mãe que o ajudasse a recuperar suas abelhas.

Cirene falou-lhe de Proteus, o velho e sábio profeta que talvez pudesse ajudá-lo. Porém Proteus se recusava a fazer profecias e fugia metamorfoseando-se em animais, árvores, água e fogo. Mas havia um jeito de dominá-lo: bastava esperar que ele dormisse e o mantivesse preso entre braços, mesmo quando ele se transformava em terríveis feras e monstros.

Antes de levar seu filho diante de Proteus, Cirene perfumou seu filho com néctar, a bebida dos deuses. Logo Aristeu foi tomado de grande coragem. Proteus saiu da água junto com seu rebanho de focas e adormeceu na entrada da gruta. Nesse momento, Aristeu lançou-se sobre ele acorrentando-o com todas as suas forças. O profeta se transformou em leão, dragão, tigre, javali e outros monstros, mas Aristeu o manteve preso apesar dos seus artifícios.  

Percebendo que era inútil, Proteus rendeu-se aos apelos de Aristeu e disse-lhe: " Por seus atos interrompeste a felicidade de Orfeu e Eurídice. Deves apaziguar a ira das ninfas e render homenagens fúnebres à Eurídice. Para tanto deverás escolher e sacrificar quatro touros de belo porte e quatro de suas melhores novilhas. Deves deixar as carcaças no bosque e cobri-las com folhas. Volte lá apenas depois de nove dias..."

Aristeu não entendeu o que isso poderia ajudá-lo, mas atendeu às recomendações de Proteus. Voltando ao local depois de nove dias maravilhou-se com o que viu:  um enxame de abelhas havia tomado posse das carcaças e trabalhava numa colméia.

Aristeu casou-se com Autônoe, que era filha de Cadmo - Rei de Tebas. Eles tiveram o filho Acteon que, ao tornar-se adulto teve um trágico destino. Exímio caçador, Acteon fora criado pelo Centauro Quíron. 

Um dia, estava caçando na floresta quando deparou com Artemis e as suas ninfas banhando em um lago. Famosa por sua castidade, Artemis ficou indignada quando viu Acteon observando-as. Molhando as mãos, aspergiu água no caçador que se transformou em um veado. Em sua nova forma, Acteon foi perseguido e devorado pelos próprios cães.

Abatido pela morte de seu único filho, Aristeu consultou o oráculo de Apolo que o orientou a seguir para a Ilha de Ceos. Lá, ele conseguiu interromper uma praga que se abatia sobre a Grécia, oferecendo sacrifícios no momento do nascimento da estrela Sirius. Viajando pela Itália, encontrou Dionísio e foi iniciado em seus ritos secretos. Vivendo perto do Monte Haemus, nunca mais foi visto pelos mortais...



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O mito de Aristeu está relacionado à coragem de recomeçar mesmo diante de profundas perdas. Recomeçar às vezes inspira medo, mas também traz a esperança de tentar de novo, reconquistar e principalmente resgatar a autoestima, investindo e reacreditando em si mesmo. 

Assim como Aristeu, somos vulneráveis e estaremos expostos aos erros, perigos e decepções, mas quando recomeçamos já teremos aprendido como evitá-los. O medo de recomeçar pode esconder boas oportunidades, mas se estivermos dispostos a enfrentar com coragem os obstáculos, que certamente surgirão, poderemos reescrever a nossa história da qual somos os próprios autores. 

Recomeçar pode significar aventurar-nos em novos caminhos dos quais não temos referências, mas se nos abrirmos à oportunidade de conhecer novas pessoas e lugares, poderemos nos surpreender com nossa capacidade de superação. 

Recomeçar também significa buscar apoio e fazer alguns sacrifícios, abrindo mão do conforto da acomodação, além da necessidade de aguardar o tempo certo para obter resultados. Aristeu aguardou 9 dias;  talvez seja necessário aguardar um pouco mais. 

Desde Aristóteles as abelhas são consideradas criaturas puras e castas devido à alimentação vegetariana e conhecidas por sua abstinência sexual, exceto a rainha das abelhas que é fecundada uma única vez por toda sua vida.

A prosperidade de Aristeu foi abatida pela imprudência ao seguir suas paixões e instintos sem calcular as consequências. Ele perdeu suas abelhas porque distanciou-se das virtudes que sua ocupação exigia: prudência e pureza nas atitudes. Da mesma forma, podemos perder boas oportunidades quando nos distanciamos da ética e da moralidade. 

Como Aristeu, seu filho Acteon também foi vencido e destruído pela paixão desmedida. Segundo especialistas, o organismo dos apaixonados produzem grandes doses de anfetaminas naturais como dopamina, norepinefrina e feniletilamina. São elas as responsáveis pela euforia típica que tira os nossos pés do chão, nos distancia da realidade e influencia em nossa capacidade de raciocinar. É próprio do ser humano apaixonar-se, o perigo da paixão é deixar-se dominar por ela...

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Eos e Titonus, uma lição para o envelhecimento




Os titãs Téia e Hiperion tiveram três filhos, as mais lindas crianças do Olimpo: Selene - a Lua, Helius - o Sol e Eos - a Aurora. Conduzindo uma carruagem puxada por seus dois cavalos Claridade e Brilho, Eos saía de seu palácio e cruzava os céus anunciando à Terra que Helius - o Sol estava chegando para clarear um novo dia, por isso Eos era considerada a deusa do alvorecer, a que se renova todos os dias.

Bela e formosa, Eos atraia a atenção dos deuses. Ares - o deus da guerra e um dos amores de Afrodite - quis conquistá-la, por isso Afrodite resolveu castigar Eos plantando o amor em seu coração e deixando-a apaixonada para sempre. 

Assim, ela teve inúmeros casos de amor com muitos deuses e jovens mortais. Com Astreu, Eos foi mãe dos ventos Zéfiro, Bóreas, Nótus, Euro, de Eósphoro - a estrela d'alva e de todas as estrelas.

Por não ter seu amor correspondido por Orion, Eos sequestrou Céfalo, Clito, Ganimedes e Titonus para que fossem seus amantes. Apesar de toda a sua beleza, Eos não conseguiu conquistar o amor de Céfalo. 

Por fim, perdendo as esperanças, consentiu que ele retornasse para viver com sua esposa. Clito fugiu e Ganimedes deixou-a para ir viver no Olimpo. 

Tomada de paixão pelo belo jovem Titonus, filho de Laomedon rei de Tróia, Eos foi com ele para a Etiópia. Eles tiveram dois filhos: Memnón que lutou junto aos troyanos e foi morto por Aquiles e Ematión que foi morto por Hércules. 

Sem os filhos, Eos pediu a Zeus a imortalidade para seu esposo mas esqueceu de pedir também pela juventude eterna. Titonus foi envelhecendo, tornando-se feio e pequenino. 

E quando não conseguia mais se mover, a deusa transformou Titonus em um gafanhoto, o mais musical dos insetos, para que ela pudesse ter a alegria de ouvir para sempre a voz do amante. 

Desde então a cada amanhecer, a aurora chora lágrimas de orvalho pelo destino de seu amante, enquanto o gafanhoto canta repetidamente: morri... morri... morri... embora continue vivo.


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O mito de Eos e Titonus envolve várias reflexões, uma delas é sobre o envelhecimento, um processo contínuo que inicia-se a partir do nascimento. 

Cada dia vivido é um tempo de envelhecimento e o modo como agimos, nossos hábitos de vida e os cuidados que temos com nós mesmos, são decisivos para uma velhice penosa ou para a etapa de maturidade, que não extingue o tempo das descobertas e da alegria de desfrutar a existência.

Viver é envelhecer, a vida é para ser vivida e não para ser conservada. A transitoriedade faz parte da vida, como um rio que segue sua trajetória fluindo diante do seu destino. Lutar contra a velhice é lutar contra a realidade humana, o que acaba trazendo sofrimento.

E o que dói não é a velhice, mas a ideia que temos do envelhecimento. O que torna esse processo um fardo para muitos é o medo das limitações impostas pelas perdas do organismo.

De fato, quanto mais vivemos, maiores são os desgastes físicos que impomos às nossas estruturas orgânicas. A pele perde gradualmente o frescor, a massa muscular diminui e a gordura corporal aumenta. 

Os sentidos antes aguçados passam a precisar de artefatos como óculos, aparelhos para perda auditiva etc. Querer ser eterno é querer o impossível, é desdenhar do transitório e querer a permanência esquecendo que nada é definitivo, tudo muda, tudo passa.

Com a passagem dos anos é natural que tenhamos muitas lembranças do passado, mas a grande sabedoria do envelhecimento é não se fixar no retrovisor e sentir nostalgia e nem sentir medo do futuro. 

Um dos maiores dramas da velhice é gerenciar as perdas que a vida traz ao longo dos anos: a aposentadoria afasta do trabalho e da função social, os filhos vão cuidar de suas próprias vidas, amigos e parentes falecem e a solidão é inevitável. Por isso é preciso encontrar uma maneira saudável de lidar com as ausências e amenizar a angústia.

A dor da solidão provoca envelhecimento rápido, causa doenças, maltrata as pessoas, principalmente quando a autoestima já está em baixa, porque a grande questão do sofrimento ao envelhecer está no processo da auto-estima. 

Vivendo numa sociedade narcisista, baseada em imagens idealizadas, embarcamos no mito da beleza e da juventude, como se a imagem fosse mais importante do que a vida que pulsa em nosso corpo através do nosso coração e do ar que respiramos. 

A autoestima não permite nenhuma exigência ou condição; temos de gostar de nós mesmos sem importar com as rugas que inexoravelmente irão surgir.

Para enfrentar esse sentimento sem grandes prejuízos, é importante investir numa vida social mais ativa, participar de grupos, realizar alguma atividade prazeirosa, manter o bom humor e pensamentos positivos. 

Problemas e doenças todos sempre terão ao longo da vida. O que podemos controlar é a maneira como aceitamos essas situações. Se as aceitamos com positividade, a vida fica mais leve. Lamentar só agravam os problemas.

A idade avançada não é motivo para sermos rabugentos, queixosos ou reclamar de tudo. Quem sorri espontaneamente tem melhor atitude diante da vida. Manter uma fisionomia pacífica é essencial para a boa convivência, afinal quem vive de cara feia afasta todos ao redor. 

A falta de senso de humor ou uma vida acompanhada de impaciência, raiva e atitudes hostis estão associados a um maior risco de desenvolver pressão alta, diabetes e doenças cardíacas.

Não existem pílulas mágicas capazes de evitar o envelhecimento, mas existem fórmulas de bem viver. Além das receitas consagradas de movimentar-se, alimentar-se adequadamente e dormir bem, é necessário ativar o cérebro, administrar as emoções e sorrir mais. 

Não deixar o cérebro envelhecer é usar de potentes estímulos para os neurônios como as leituras, conversas, jogos e palavras cruzadas que evitam a demência. Coisas, pessoas e animais envelhecem porém o mais importante é o prazer da existência, do pacto que se faz com a felicidade sem se importar com a trajetória do tempo. 

E o grande segredo é desenvolver os próprios talentos e potenciais. Dessa forma o tempo será sempre um aliado e não um inimigo. Somos testemunhas de um tempo e a deusa Eos, a aurora de cada dia, vem nos lembrar que cada manhã é tempo de celebração e de recomeço.



segunda-feira, 14 de maio de 2012

Palamedes: o defensor da preguiça




Palamedes era um principe da Ilha de Eubéia, filho de Climene e do Rei Náuplio. Discípulo de Kiron - o centauro sábio - Palamedes participou dos preparativos da Guerra de Troya desmascarando Ulisses que se fingia de louco para não participar da guerra junto aos gregos. Ulisses foi obrigado a partir com a expedição mas nunca perdoou a intervenção de Palamedes e jurou vingar-se dele.

Durante a guerra Palamedes tentava atrair a simpatia dos soldados para si dando-lhes passatempos para se distrairem nas pausas de guerra. Ele acusou Ulisses de exigir demais dos soldados e não dar-lhes alimento suficiente. 

Para vingar-se, Ulisses o acusou de traidor do exército grego e para reforçar sua denúncia, escondeu uma porção de ouro na tenda de Palamedes. Quando o ouro foi descoberto, Palamedes foi condenado à morte e apedrejado injustamente. 

Quando o Rei Nauplio soube da injustiça que haviam feito a seu filho, para vingar-se do ultraje utilizou os faróis criados por Palamedes para levar os navios gregos contra as rochas, onde foram destruídos e muitos homens pereceram. Aqueles que sobreviveram ao naufrágio e nadaram até a praia foram mortos por Nauplio.

Palamedes foi considerado um dos heróis gregos mais talentosos. Ele foi o criador de 11 letras do alfabeto grego além de inúmeras invenções. Foi o inventor da balança, dos pesos, das medidas, do disco e da guarda com sentinelas. Conta-se que ele também criou o uso da moeda, dos jogos de xadrez e dos jogos de dados, além dos sinais de fogo para transmitir mensagens. Para Palamedes, a preguiça, o ócio e a recreação revigorava as energias para a batalha. 



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O mito de Palamedes nos remete à importância da criatividade e do raciocínio. Palamedes valorizava as obrigações mas incluía os passatempos para distrair os seus comandados. Isso mostra a sua visão de futuro. 

No mundo atual, é evidente a necessidade de parar para organizar as ideias devido ao volume de informações a serem absorvidas e maiores exigências sociais a cumprir. Isso significa libertarmos da ideia tradicional do trabalho ou estudo contínuo incluindo pausas.

Pouco se fala sobre os benefícios e virtudes da preguiça. Segundo estudos científicos, abrir brechas nas atividades estressantes do dia-a-dia para se dedicar a algo prazeiroso ou apenas ao ócio, é um caminho que nos conduz ao bem estar físico e emocional. 

Além dos nossos compromissos profissionais, sociais e familiares, é necessário que aprendamos a separar um tempo para distrair ou não fazer nada. Especialistas confirmam que uma soneca depois do almoço pode aumentar a produtividade e o poder de concentração além de melhorar a habilidade para tomar decisões. 

Aos poucos, empresas e escolas estão descobrindo e absorvendo esses novos conceitos. Cada vez mais, o stress é combatido com pequenas mudanças de hábitos e descanso. Logicamente não podemos viver como na Grécia Antiga, mas um pouco de contemplação é fundamental para desenvolver o raciocínio e a criatividade.



  


Existem diversas mitologias associadas à criação do xadrez e uma delas diz que foi criado por Palamedes. Foram os gregos que documentaram o jogo pela primeira vez.

Na Idade Média e durante a Renascença, o enxadrismo tornou-se parte da cultura da nobreza, sendo usado tanto para o entretenimento de reis e cortesãos quanto para o ensino de estratégia militar, por isso o Jogo de Xadrez era conhecido como o Jogo dos Reis.

As diferentes peças de xadrez serviam como metáforas para diferentes classes sociais e os deveres humanos foram comparados às regras do jogo ou às propriedades visuais das peças. 

O jogo simula um embate entre 2 reinos, cada um composto por 1 rei, 1 rainha, 2 bispos, 2 cavalos, 2 torres e 8 peões que estão submetidos a determinadas regras do jogo,  reproduzindo em escala diminuta o que poderia acontecer em uma batalha.

O jogo reproduz uma situação de guerra, em um contexto lúdico, onde cada jogador conduz um reino. O objetivo é proteger o rei e as decisões do jogador são fundamentais para ganhar ou perder a partida. 

A estratégia enxadrística consiste em definir e atingir objetivos de longo prazo durante uma partida baseando seus ataques no cálculo exato dos lances futuros. Um ataque prematuro não terá sucesso se não for baseado nas fraquezas da posição adversária.

Mais que um passatempo agradável, o jogo de xadrez impulsiona a imaginação, desenvolve a memória, melhora a capacidade de atenção e concentração, inteligência, velocidade de raciocínio e pensamento lógico. 

Também aumenta a tenacidade, a força de vontade, o desejo de vencer, paciência, autocontrole além de organização e método na execução de tarefas. Pesquisas demonstram que melhora a capacidade de formular e concretizar planos, auxiliando na tomada de decisões no jogo da vida.

Desenvolvendo a capacidade de julgamento e planejamento, o jogo ensina sobre a importância da antecipação aos problemas, às crises e reflexão antes de agir pois atitudes displicentes e mal calculadas podem gerar consequências. 

Mas também tem um importante papel socializante porque ensina a lidar com a vitória e a derrota, mostrando que a derrota não é sinônimo de fracasso nem a vitória é sinônimo de sucesso. 



terça-feira, 1 de maio de 2012

Polícrates, o sabotador do próprio sucesso




Polícrates, um tirano de Samos, parecia ser o homem mais feliz do mundo. Governava uma riquíssima ilha que havia tomado de seus irmãos, matou um e baniu o outro. Assim Polícrates tornou-se o único governante dos tesouros e escravos que a cada dia chegavam no porto. Era tão rico e poderoso que pretendia tornar-se o Senhor de toda a Jônia.

Firme e de aspectos cruéis, Polícrates fazia mudanças e fixava metas arbitrárias no reino sem consultar a ninguém. Obrigava seus súditos a trabalharem longas horas e vivia apenas em função de seus propósitos políticos. Fossem viáveis ou não, os servos que não as cumprissem metas eram severamente punidos com amputação de partes do corpo.

Na plenitude de suas vitórias, Polícrates ofereceu-se como aliado do grande faraó do Egito, que a princípio acolheu sua aliança mas logo depois, percebendo o modo de vida de Polícrates, enviou-lhe uma mensagem: 

"Quem é muito feliz tem muito a temer. Ninguém chega no alto sem fazer inimigos e até os deuses sentem inveja de quem é bem sucedido. Aceite um conselho: pegue o seu mais rico tesouro e ofereça aos deuses para que eles não venham a tratar-lhe mal".

Ao receber a mensagem, Polícrates refletiu e resolveu seguir o conselho do faraó. Pegou um valioso anel de esmeraldas que ele jamais pensou perder e lançou-o ao fundo do mar esperando receber a graça dos deuses. Mas antes mesmo de chegar em casa começou a lamentar a perda da jóia tão preciosa e censurou-se por ter sido precipitado.

Após uma semana um pescador trouxe um enorme peixe ao palácio para agradar ao rei. Quando os criados abriram o peixe encontraram o anel. Polícrates ficou radiante e interpretou como um sinal de sorte para sempre. Logo escreveu ao faraó relatando sobre o que tinha acontecido e para sua surpresa o faraó rompeu a aliança que tinham estabelecido, advertindo-o que poderia atrair a calamidade sobre si.

Em em seu orgulho, Polícrates recusava-se a aceitar qualquer advertência; ao contrário ele continava buscando riqueza, poder e sucesso que ele interpretava como invencibilidade. 

Certo dia ele recebeu um convite do Rei da Pérsia para estabelecerem uma aliança em troca de um grande tesouro. Ganancioso, Polícrates não resistiu à oportunidade e mandou um criado examinar os tesouros que o rei oferecia. Várias arcas com ouro e jóias foram mostradas ao servo, mas na verdade eram arcas com pedras no fundo cobertas com jóias. 

Relatando o que aparentemente tinha visto, Polícrates ficou deslumbrado e resolveu ir à Pérsia. Os oráculos mostravam-se contrários à viagem. A filha de Polícrates havia sonhado que ele era erguido no ar, lavado por Zeus e ungido pelo sol. 

Ignorando as advertências, Polícrates interpretou que era um presságio de honraria e grandeza mas tão logo chegou na Pérsia foi imediatamente erguido em um local de sacríficios, onde foi morto e permaneceu queimando ao sol...



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Polícrates representa aquelas pessoas que não reconhecem e ultrapassam limites, até que sejam obrigados a parar devido aos seus próprios atos. Na vida moderna podemos compará-lo aos homens de negócios e líderes políticos ou qualquer pessoa que embora possa alcançar uma meta, sente-se inquieto para uma meta maior, esquecendo-se que há certas leis da própria da vida que determina os nossos limites. Esquecem que não são deuses onipotentes, apenas humanos... 

Nada é tão capaz de gerar arrogância quanto a riqueza e o sucesso, mas a maior falha não está na cobiça e nem na ambição; está na incapacidade de ter respeito pela própria vida e pelos outros. 

E, mesmo que a pessoa seja bem intencionada, há de ter cuidado para não identificar o próprio valor com o que se tem. Ter não significa ser. Quando conseguimos fazer essa separação nos tornamos livres, porque mesmo diante da perda de algo de valor material, não perdemos a nós mesmos.

Polícrates fez a oferenda não por respeito ao poder dos deuses, mas pelo medo que tinha deles. Dar um presente ou doar alguma coisa deve ser feito com alegria e espontaneidade, caso contrário a oferta não tem sentido. 

Doação se faz com o coração. Quando se dá ou se doa, deve ser algo que tenha valor para si mesmo e não algo que está sendo descartado no lixo. E uma vez doado, esqueça o foi feito. Quem dá algo de bom coração, será bem recompensado; o inverso também é verdadeiro.

Os deuses rejeitaram a oferta de Polícrates fazendo o anel retornar no corpo do peixe. E se compreendermos os deuses, psicologicamente eles refletem os instintos e os profundos padrões inconscientes. 

Quando nos recusamos a honrar esse "Eu" profundo que há em nós, estaremos arquitetando, inconscientemente, a nossa própria queda. A arrogância de Polícrates era uma falsa ilusão de onipotência. Os seus exageros destruíram a sua sensibilidade para julgar corretamente as situações ou para perceber a verdade que outros queriam transmitir-lhe.

Quando acreditamos que estamos acima das leis e dos outros, que podemos tomar decisões sem refletir em suas consequências, é inevitável que não percebamos os amigos que perdemos e quantos inimigos estarão se juntando para se opor aos nossos objetivos. 

Quando alienamos demais outras pessoas, elas começam a tramar ou desejar a nossa queda. Sem aprender as lições que a vida nos propõe, podemos reclamar do nosso destino sem perceber que nós mesmos estamos traçando o nosso futuro.

Dizem que o poder corrompe. Isso pode ser em parte verdade, porque aqueles que alcançam e usam o poder para praticar o bem jamais serão corrompidos. Porém aqueles que se deixam intoxicar pelo sabor do poder, deixando de dar ouvidos aos outros e à voz da própria razão, podem cometer graves erros. 

O mito de Polícrates é uma mensagem clara para aqueles que buscam sua realização no mundo, mas não conquistam e nem dominam a si mesmos. Os gregos usavam a palavra hybris ou húbris para nomear o orgulho exagerado e a incapacidade de reconhecer limites. 

Para is gregos a hybris provocava inevitavelmente a ira dos deuses, mas o castigo era sempre arquitetado inadvertidamente pela própria pessoa. Esse mito ilustra a Hybris - o comportamento desmedido - que combinada à ganância, leva inevitavelmente à queda...



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Quem sou

Nascida em Belo Horizonte, apaixonada pela vida urbana, sou fascinada pelo meu tempo e pelo passado histórico, dois contrastes que exploro para entender o futuro. Tranquila com a vida e insatisfeita com as convenções, procuro conhecer gente e culturas, para trazer de uma viagem, além de fotos e recordações, o que aprendo durante a caminhada. E o que mais engradece um caminhante é saber que ao compartilhar seu conhecimento, possa tornar o mundo melhor.

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