quarta-feira, 25 de maio de 2011

Alection o vigia de Ares




Ares era filho de Zeus e Hera. Desprezado publicamente pelos seus próprios pais e ridicularizado pelos poetas, a ele se referiam com epítetos deprimentes: louco, impetuoso, bebedor de sangue, flagelo de homens, deus das lágrimas etc…

 Com seu belo porte marcial, ostentando no peito sua soberba e reluzente armadura, os mortais o temiam e os imortais não tinham por ele nenhuma simpatia. Como deus da guerra, Ares andava em companhia de seus dois filhos: o Deimos - o terror e Phobos - o medo.

Quando seu carro ardente surgia, era precedido por estes pavorosos arautos, anunciando a fúria das batalhas. Eris - a discórdia - ia adiante, espalhando a intriga e a calúnia. Sua vocação era criar interesses opostos, tornando-os irreconciliáveis.

As Queres, deusas sanguinárias, fechavam o cortejo. Elas mergulhavam sobre as vítimas abatidas na guerra para dilacerá-las e arrastá-las à morada das sombras. Estimado somente por Hades, o deus do submundo, este o ajudava em suas intenções porque as guerras aumentavam a população do inferno.

Tão bonito e garboso quanto vaidoso e cruel, Ares se preocupava apenas com as guerras e batalhas. A ele não importava se ganhava ou perdia, contanto que houvesse o derramamento de sangue. Admirado apenas pelos ferozes, os poetas se compraziam em mostrar que a força bruta e cega de Ares sempre era burlada pela inteligência de Hércules e pela reflexão de Atena. A vitória da inteligência sobre a força bruta era a essência do pensamento grego.

Ares se sentia atraído por Afrodite - a esposa de seu irmão Hefesto - e com ela teve um longo caso de amor. Ares estava sempre tranquilo porque deixava à porta dos aposentos o jovem vigia Aléctrion, que deveria avisá-lo da aproximação da luz do dia, ou seja, quando surgia Helius, o deus sol que tudo via e tudo iluminava. Mas certo dia, o incansável vigia dormiu e Hélius surpreendeu os amantes e avisou Hefesto.

Hefesto preparou uma rede mágica e prendeu o casal ao leito. Convocou todos os deuses do Olimpo para testemunharem o adultério. Ridicularizados, Afrodite fugiu para Chipre e Ares para a Trácia. Foi desse amor que nasceu a Harmonia.

No entanto, o jovem Aléction por ter dormindo quando deveria estar acordado, permitindo que Helius descobrisse os amantes e os denunciasse a Hefesto, sofreu um cruel castigo: foi metamorfoseado em galo e obrigado a cantar toda madrugada, até o sol nascer pelo resto de todos os dias. E para que nunca perdesse a hora, era obrigado a cantar a cada 3 horas, maldição que se estendeu a todos os galos infinitamente...


quarta-feira, 4 de maio de 2011

A maldição de Arsínoe





Arsínoe era filha do Rei Fegeo de Psófide. Certo dia chegou ao reino Alcmeón, buscando proteção contra as Erínias que o perseguiam por ter matado a própria mãe. Arsínoe apaixonou-se por Alcmeón e o rei consentiu no casamento. 

No entanto, as erinias continuavam a perturbar Alcmeón e aconselhado pelo oráculo de Delfos, ele partiu para as terras junto ao Rio Aqueloo prometendo a Arsínoe que voltaria. Quando Alcmeón chegou ao Reino de Aqueloo, tornou-se amante e casou-se novamente com Calírroe, a filha de Aqueloo, e teve com ela dois filhos. 

Passado algum tempo, Calírroe pediu a seu marido o colar e a túnica que tinham sido de sua mãe, mas Alcmeón já tinha presenteado a Arsíone. Alcmeón voltou ao Reino de Psófide e convenceu à ingênua Arsíone de lhe dar o colar e a túnica, dizendo que deveria entregá-los ao oráculo de Delfos para se livrar das Erinias. 

Confiando nas palavras do marido, sem saber que ele havia se casado novamente, Arsíone atendeu ao pedido sempre acreditando que ele voltaria para ela. O pai de Arsínoe era astuto e descobrindo os feitos de Alcmeón, ordenou que ele fosse morto antes de sair do palácio. Quando Arsíone estava a despedir do seu marido pela janela, presenciou o assassinato de Alcmeón. 

Por não saber que seus dois irmãos estavam cumprindo ordens do seu pai e que pretendiam protegê-la, Arsíone amaldiçoou seu pai e seus irmãos profetizando que eles morreriam violentamente antes da lua nova seguinte. Em vista da maldição, seu pai a encerrou numa arca e a presenteou como escrava ao Rei de Nemea.

Ao saber da morte de Alcmeón, Calirroe, a segunda esposa, solicitou a Zeus que fizesse que seus filhos pequenos se
tornassem adultos e guerreiros, assim poderiam vingar a morte do pai. Os filhos de Calirroe cresceram imediatamente e quando passavam pelo reino de Nemea, coincidentemente se envolveram num conflito com um homem e seus dois filhos, e os mataram. Sem saber, eles haviam matado o pai e os irmãos de Arsínoe, que tinham estavam indo a Nemea para implorar a Arsíone para retirar a maldição.



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O mito de Arsíone trata da vingança. Quando algo perturbador acontece, gera sofrimento à pessoa e sua imaturidade psicológica que se sente ameaçada, mesmo raciocinando conscientemente, não consegue se desvincular das manifestações desconhecidas armazenadas em seu inconsciente que lhe exige reparação, desforra e até mesmo a aniquilação do seu opositor.

Neste instante, inicia-se uma acirrada disputa entre o seu lado racional, procurando
resistir a esse tipo de atitude por identificar como uma falha do caráter e o seu lado irracional que ativa sua desconhecida bagagem sombria de manifestações inesperadas e inconsequentes, armando verdadeiras ciladas e fazendo a pessoa a agir por vingança com consequências funestas.

Esses impulsos doentios emergem de áreas desconhecidas do ego que não conseguem identificação com o ser espiritual
e termina por induzí-lo ao desenvolvimento perseverante da odiosidade, instaurando o sentimento de revolta e o desconforto ante o opositor onde vê o perigo e ameaça à sua segurança, por isso se empenha-se em destruí-lo.

O fenômeno ocorre tanto entre pessoas quanto entre nações, dando ensejo a guerras nefastas e hediondas que
prejudicam gerações, deixando sequelas lastimáveis em suas vítimas. Nas pessoas, esse comportamento provoca o perverso mecanismo conflitivo que o leva ao desespero. Mesmo quando o outro já não mais representa perigo algum, mesmo depois de se render ou ser aniquilado, os efeitos desastrosos da vingança não desaparecem, frustrando a quem aparentemente estaria vitorioso.

Invariavelmente isso acontece com uma pessoa neurótica, que age quase sempre pela repressão sexual infantil ou
dominado pela sede do poder e ambição, vivendo a competir com os demais por invejar aqueles que estão em situação psicológica melhor que ele. Podem em certos casos até aceitá-los enquanto os manipulam, tirando dessa forma proveito da situação.

A vingança é um transtorno neurótico que liberta do inconsciente as forças desordenadas que estão
adormecidas, irrompendo com ferocidade sob o estímulo do aniquilamento do inimigo. Ao armar-se de calúnia e de outros mecanismos de perseguição contra aquele a quem odeia, está realizando uma luta inconsciente contra si mesmo, pois está apenas projetando o lado escuro e sombrio da sua personalidade que o mantém preso à ignorância. Fixa-se no adversário com implacável disposição para conseguir exterminá-lo, julgando que disso depende sua liberdade.

Além da inferioridade moral que tipifica o vingador, o seu primarismo emocional elabora razões que são arquitetadas pela mente em desalinho para justificar o prosseguimento do seu intento, razões essas nascidas no inconsciente pessoal profundo. Em outras oportunidades em que sua inferioridade se projeta e não se sente devidamente capaz de competir contra valores significativos que não possui, cultiva internamente a antipatia que se avoluma a cada dia, transformando-se em fúria incontrolável que somente se aplaca quando está lutando contra aquele que o atormenta, mesmo que o outro não saiba e nem tenha nada contra ele, podendo até mesmo nem saber da situação infeliz de seu oculto adversário.

Os que se apóiam em mecanismos vingativos quase sempre tem uma história de repressão infantil e juvenil. Sentiram-se
desprezados pelo grupo social e agora transferem suas frustrações para os outros, desde que isto lhes transformem em pessoas de poder e ambiciosos dirigentes de qualquer coisa. A personalidade doentia deseja ser homenageada, embora sua conduta seja esquizóide, falsamente humilde ou pretenciosamente dominadora.

E, mesmo que tenha oportunidade
de se harmonizar com o inimigo, não o perdoa interiormente e continua ruminando o que considera sua derrota, até encontrar novos argumentos para dar prosseguimento ao intento de vingança, impelido pela sua libido atormentada. Os indivíduos que assim procedem, levados pelo sentimento desequilibrado e doentio da vingança, estarão sempre sujeitos a convulsões epilépticas ou mesmo a simples ausências, tornando-se personalidades psicopatas, perigosas e traiçoeiras.

Simulando sentimentos íntimos, se apoiam em planos macabros pela psique ambivalente,
doentia e com predomínio da faceta mórbida. Todo aquele nessa situação precisa de investigação sobre os traumas e conflitos da infância, o que pode alterar sua conduta pessoal com base em novos valores, muitas vezes dependendo de ajuda psiquiátrica para remover extratos epilépticos ou esquizofrênicos.

Socialmente, dispomos dos mecanismos judiciais que visam reparar injustiças, danos morais e materiais, o que não
justifica sentimentos de vingança, deixando a cargo de Nêmesis. Espiritualmente o amor lhes seria de grande valia, embora reajam inicialmente com desconfiança e ambivalência de conduta, traz simpatia e amizade, substituindo os muitos tormentos que o avassalam. Só o amor cobre a multidão de pecados. Diz o evangelho: Sem caridade não há salvação! Caridade é não ceder ao impulso da vingança, senão para perdoar...