segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Dioniso e Penteu, o preço das paixões




Cadmo e Harmonia reinavam em Tebas e eram pais de Ino, Sêmele, Autônoe, Polidoro e Agave. Quando Sêmele estava grávida sua família não acreditava que o filho era de Zeus, o deus dos deuses. Apaixonado pela bela Sêmele, Zeus atendeu ao seu pedido de mostrar-se em seu esplendor e foi fulminada pelos raios que dele emanava.

Zeus conseguiu salvar o filho e guardá-lo em sua própria coxa, onde ele completou seu desenvolvimento. Quando Dioniso nasceu, foi entregue para ser criado pelas ninfas pois foi rejeitado pela família de Sêmele que se recusou a prestar-lhe um lugar de honra.

Ao se tornar adulto, Dioniso não era ainda, totalmente divino. Tendo descoberto a videira e seu uso, foi enlouquecido por Hera e vagou por algum tempo até ser curado por Cíbele, a deusa-mãe da Frígia. Depois disso, disseminou seu culto pelo mundo e estava sempre acompanhado por um cortejo de seguidoras que bebiam vinho e, em êxtase místico, dançavam freneticamente.

Dioniso estabeleceu o seu culto e enlouquecia a todos que se opunham ao culto oferecido a ele. Embora Tebas tenha prosperado sob o reinado de Cadmo, ele havia sido amaldiçoado por ter matado o dragão consagrado a Ares e todos os seus descendentes tiveram a vida marcada por tragédias.

Já idoso, Cadmo entregou o trono de Tebas ao seu neto Penteu, filho de Equion e Agave. Após viajar por toda a Ásia e outras terras estrangeiras, Dioniso foi a Tebas disfarçado em forasteiro onde reinava seu primo Penteu e que havia proibido o culto a Dioniso.

Reunindo um grupo de devotas, as Bacantes, Dioniso levou todas as mulheres de Tebas ao delírio no Monte Citéron. O velho Cadmo e Tirésias, embora não estivessem enfeitiçados, apaixonaram-se pelos rituais das bacantes e quando estavam saindo para a celebração, o Rei Penteu ordenou que fossem presos todos os que participassem do culto dionisíaco.

Os guardas do palácio retornaram com o próprio Dioniso, disfarçado como um sacerdote de seu próprio culto. Penteu o interrogou com grande interesse nos ritos, mas Dioniso não se revelou e foi encarcerado. Sendo um deus, rapidamente conseguiu se libertar e destruiu o palácio de Penteu com um grande terremoto seguido por um incêndio.

Logo em seguida chegou um pastor trazendo a notícia de que as Bacantes estavam no Monte Citéron realizando feitos incríveis, como colocar serpentes em seus próprios cabelos para reverenciar o deus Dioniso, amamentando gazelas, lobos selvagens e fazendo o mel e vinho brotar do solo. Quando tentaram capturar estas mulheres, elas avançaram sobre um rebanho de vacas rasgando-as em pedaços com suas próprias mãos.

Atendendo ao desejo de Penteu em ver as mulheres em êxtase, Dioniso o convenceu a vestir-se com roupas de mulher, como uma Mênade, para observar os rituais. De repente, Penteu começou a ver tudo em duplicidade. Quando quis escalar uma árvore para poder ver melhor as bacantes, Dioniso usou seu poder divino e colocou-o nos galhos mais altos.

Assim que ele chegou ao topo da árvore, Dioniso gritou às suas devotas e mostrou-lhes um homem no topo da árvore. Ensandecidas, as bacantes arrancaram Penteu da árvore e rasgaram seu corpo em pedaços.

Agave, a mãe de Penteu, estava junto das bacantes e ainda em estado de êxtase retornou à sua casa carregando a cabeça de seu filho Penteu acreditando que fosse a cabeça de um leão da montanha que havia caçado. Ao perceber a expressão de horror de Cadmo, lentamente Agave percebeu a tragédia consumada e enloqueceu.

Inconformados, Cadmo e Harmonia não esqueciam seu infortúnio e atormentado pela lembrança dolorosa que não o abandonava Cadmo descontrolou-se, voltou os olhos para o céu e exclamou inconformado: “Se a vida de uma serpente é tão cara aos deuses, eu preferia ser uma serpente!”. Imediatamente, eles foram transformados em serpentes. Porém a maldição pesaria sobre todos os seus descendentes como nos mostra o mito de Édipo, o trineto de Cadmo.

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Para os gregos os mitos não eram apenas contos de entretenimento, eles diziam algo a respeito do mundo e dos seres humanos. Essa fonte de conhecimento, por sua profundidade, atravessou os séculos e até hoje nos valemos dela.

Distinguindo-se dos animais, não sendo dominado apenas pelos instintos e nem somente pelo condicionamento biológico, o ser humano aprendeu a pensar e a se questionar sobre sua existência para entender a si mesmo e conhecer sua natureza. Se o conto é apenas um mito, o que ele nos revela é realidade humana.

O filósofo e político inglês Francis Bacon, um dos homens mais importantes de sua época, se dedicou especificamente sobre a mitologia grega e, de cada personagem, Bacon retirou um ensinamento.

Do mito de Penteu podemos depreender as consequências das paixões, da ilusão desordenada, do delírio do poder, da irracionalidade, do desvario, da perturbação e das loucuras, demonstrando a necessidade de auto-controle, moderação e sabedoria para evitar dois extremos: a tirania da ordem excessiva e o frenesi das paixões.

De fato, a paixão nos estimula a viver cada instante com intensidade, nos motiva a realizar façanhas inimagináveis em busca de objetivos aparentemente inatingíveis, tornando possível o que antes parecia impossível.

Apaixonados por um estudo, por um trabalho, por uma causa ou por uma pessoa, somos capazes de buscar em nosso íntimo a maior das forças para superar qualquer obstáculo. No entanto, se nos entregarmos irracionalmente ao frenesi da paixão, nos tornamos cegos para todas as outras questões, o que pode nos levar além do que é moralmente e eticamente aceitável.

Se uma das funções do mito é possibilitar que estejamos em contato com os nossos próprios aspectos que nos causa temor, também nos mobiliza para nos reconhermos em nossos atos. A vida humana não tem a melhor das eficácias, não é regular, nem linear e muito menos coerente.

Somos responsáveis por nossas paixões e pelos rumos de nossa vida. Se nos deixarmos ser governados pela desrazão, podemos pagar um alto preço. No entanto, a razão excessiva impõe limites e restrige a nossa criatividade.


terça-feira, 8 de novembro de 2011

Mênades ou Bacantes, o lado sombrio de todos nós



As Mênades, também conhecidas como Bacantes, Tíades ou Bassáridas, eram fanáticas mulheres seguidoras e adoradoras do culto de Dioniso, conhecidas como selvagens e enlouquecidas porque delas não se conseguia um raciocínio claro. Durante o culto dançavam de uma maneira muito livre e lasciva, em total concordância com as forças mais primitivas da natureza.

Os mistérios que envolviam o deus Dioniso provocavam nelas um estado de êxtase absoluto e elas entregavam-se à desmedida violência, derramamento de sangue, sexo, embriaguez e autoflagelação. Estavam sempre acompanhadas dos sátiros embalados pelos sons dos tamborins dos coribantes, formando uma espécie de trupe que acompanhava o deus do vinho nas suas aventuras. Andavam nuas ou vestidas só com peles, grinaldas de Hera e empunhavam um tirso - um bastão envolto em ramos de videira.

Por onde passavam iam atuando como chamariz na conversão de outras mulheres atraindo-as para a vida lasciva. Evidentemente que o comportamento livre e desregrado delas causava apreensão, senão pânico nos lugarejos e cidades onde o cortejo báquico passava. Quando assaltadas por um furor qualquer, não conheciam limites ao descarregar a sua cólera. O maior divertimento das Mênades ou Bacantes era submeter os homens ao sofrimento, despedaçando-os antes de comê-los enquanto estavam em transe. Por isso, obrigavam-se a procurar refúgio no alto das montanhas, onde podiam exercer sua estranha liturgia sem a presença de olhares de censura ou reprovação.

As Mênades estão presentes no mito de Orfeu, que se recusava a olhar para outras mulheres após a morte de sua amada Eurídice. Furiosas por terem sido desprezadas, as Mênades o atacaram atirando dardos. Os dardos de nada valiam contra a sua música mas elas, abafando sua música com gritos, conseguiram atingi-lo e o mataram. Depois despedaçaram seu corpo e jogaram sua cabeça cortada no rio Hebro, que flutuava cantando: "Eurídice! Eurídice!"

Por sua crueldade, às Mênades não foi concedida a misericórdia da morte. Quando elas bateram os pés na terra em triunfo, sentiram seus dedos entrarem no solo. Quanto mais tentavam tirá-los, mais profundamente eles se enraizavam até que elas se transformaram em silenciosos carvalhos. E assim permaneceram pelos anos, batidas pelos ventos furiosos que antes se emocionavam ao som da lira de Orfeu.

No mundo grego e romano, a Bacchanalia ou Bacanais eram festas em honra de Dioniso e as sacerdotisas que organizavam a cerimônia eram as Bacantes. O culto primitivo era exclusivamente feito por mulheres e somente para mulheres, cujo culto teve início na época de Pã. Introduzido em Roma em 200 a.C., a partir da cultura grega do sul da Itália ou através da Etruria influenciado pela Grécia, os bacanais eram realizados em segredo e com a participação exclusiva de mulheres no bosque de Simila, perto da Aventino.

Posteriormente, os rituais foram extendidos aos homens mas denunciado por um jovem que se recusava a participar das celebrações, o Senado, temendo que houvesse alguma conspiração política, proibiu as festas prometendo recompensas a quem desse informações sobre os rituais. Apesar da severa punição infligida àqueles que violassem o decreto, os bacanais continuaram a ser realizados no sul da Itália. O carnaval vem do legado atual do antigo Bacchanalia, Saturnália e Lupercalia. Na obra intitulada Dionísiacas são citadas dezoito Ménades:
  • Acrete - o vinho sem mistura
  • Arpe - a flor do vinho
  • Bruisa - a florescente
  • Cálice - a taça
  • Calícore - a formosa dança
  • Egle - o esplendor
  • Ereuto - a corada
  • Enante - a foice
  • Estesícore - a bailarina
  • Eupétale - as belas pétalas
  • Ione - a harpa
  • Licaste - a espinhosa
  • Mete - a embriaguez
  • Oquínoe - a mente veloz
  • Prótoe - a corredora
  • Rode - a rosada
  • Silene - a lunar
  • Trígie - a vindimadora
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O mito das Mênades ou Bacantes revela a apreensão do ser humano no que ele tem de selvagem, perigoso e sombrio. Consideradas devoradoras dos homens, essa característica das Bacantes tem um simbolismo muito marcante, pois o mito leva o homem a olhar para si e a reconhecer sua passionalidade e sua desrazão.

A violência que Dioniso impõe, na
verdade já está dentro do homem. Essa violência inclui tudo aquilo que é negado, rejeitado, oprimido, desprezado, tudo o que assusta e que é moralmente e eticamente inaceitável e que, como parte da natureza humana, precisa ser aceito e pensado. Se não se dá o espaço necessário na mente para o encontro com o lado sombrio de si mesmo, as perturbações afetivas podem ser muito amplas e, por vezes, irreversíveis, desencadeando-se a loucura e o sofrimento desnecessário.

Um dos dramas humanos está associado à necessidade e à dificuldade do homem em aceitar e se entender com seus aspectos destrutivos, com seus sentimentos agressivos, o ódio, violência, o medo, sem deixar-se dominar por aquilo que sente. A necessidade de aprender a conviver com a própria realidade interior impõe-se ao homem, desde que ele nasce e começa a interagir com o ambiente. O destino que cada um dá a tal necessidade vai depender do interjogo constante entre as condições psíquicas e as facilitações ou obstáculos que o ambiente externo lhe propicia.

O não que Dioniso diz às normas pré-estabelecidas, ao estado controlado e regulador das coisas, às leis, abre infinitas possibilidades. É preciso se opor para criar. A criatividade implica um movimento em sentido oposto ao corrente, ou pelo menos, um novo enfoque ao conhecido, que venha a lançar outra luz sobre ele. Implica numa tomada de posição pessoal.

Apesar de sua proposta de liberdade, o grego não se iludiu a ponto de supor que o homem poderia escapar de si
mesmo. O homem conhece seu destino e não pode evitá-lo, quando tenta fazê-lo paga um alto preço. Não há concessões, ou aprende a conviver com sua realidade ou se perde na loucura, na morte, na alucinação e nas sombras...

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Satiros, Egipãs e silenos, o bode expiatório



Os Sátiros, Egipãs e Silenos eram ardentemente cultuados pelos pastores e agricultores gregos, que faziam ofertas de animais e produtos da terra. Os sátiros, em grego Sathê que significa pênis, eram divindades menores da natureza com aspecto de homens com cauda e orelhas de asno, barbas longas e grandes órgãos sexuais frequentemente exibidos em ereção. Tinham um apetite sexual insaciável, assim como a voracidade para o vinho e a embriaguez. Eternos perseguidores das ninfas, a permanente sensualidade dos Sátiros revelava sua vigorosa forma física.

Filhos dos Curetes e das Hecatérides, irmãos das Oreades, eles viviam nos campos e bosques perseguindo as ninfas, principalmente as Mênades, como também aos homens e mulheres que a eles se juntavam no cortejo de Dioniso. Caracterizados por uma bestialidade, de gênio preguiçoso, covardes e movidos pela sensualidade, os Sátiros se divertiam aterrorizando os pastores e os viajantes, mas, ao mesmo tempo, protegia-os das feras dos bosques, assim como protegiam os seus rebanhos.

Com o tempo passaram a ser descritos como dóceis, maliciosos, travessos, amantes da música e da dança. Com uma nova imagem, os Sátiros passaram a ser representados com as orelhas pontiagudas, pequenos chifres e os pés caprinos. Apesar de serem divinos, eles não eram imortais mas normalmente eram-lhes consagrados o pinho e a oliveira.

O mais famoso dos Sátiros foi Pã, o deus pastor, filho de Hermes e da ninfa Dríope. Segundo a lenda, Dríope rejeitou o filho tão logo nasceu por não aceitar a sua forma híbrida. Hermes levou-o para o Olimpo onde foi criado. Por seu jeito alegre, logo conquistou a simpatia e a afeição de todos os deuses, sendo chamado por eles de Pã, que em grego significa O tudo. Vivendo errante pelas montanhas e pelos vales, Pã se tornou o deus dos rebanhos e em torno dele viviam os gênios campestres e os espíritos dos bosques. Além de pastor, Pã dedicava-se à música.

A origem do mito vem da Arcádia, lugar montanhoso, que tinha como riqueza apenas a criação de cabritos e carneiros. Pã era um deus secundário representado pelo corpo coberto por pêlos negros, chifres na cabeça e patas de bode. Devido à sua fisionomia, Pã teve muitas desventuras amorosas. Os Egipãs eram descendentes diretos do deus Pã e também tinham os corpos peludos, chifres e pés de cabras. Nascidos da união de Pã e a ninfa Ega, eles foram concebidos numa noite de embriaguez dos pais. A eles são atribuídos o som que se ouve nas conchas do mar, que se transformou num instumento de sopro. Por isso tornaram-se considerados gênios das águas.

Os Sátiros compunham o cortejo de Dioniso, deus da luz e do êxtase, que foi perseguido por Hera mesmo antes de seu nascimento. Dioniso foi criado por Sileno e quando cresceu, ele foi convocado por Zeus para viver na terra junto aos homens. Dioniso compartilhava com os mortais das alegrias e das tristezas, mas foi atingido pela loucura de Hera e passou a perambular pelo mundo atraindo seguidores como os sátiros, os loucos e animais. Dioniso deu à humanidade o vinho e suas bençãos, concedeu o êxtase da embriaguez e a redenção espiritual a todos que decidiam abandonar suas riquezas e renunciar ao poder material.

Dezoito sátiros eram servos de dioniso: Pomenio, guia dos pastores - Thiaso, guia dos seguidores - Hipcéros, o grande chifre - Oréstes, guia nas montanhas - Flégraios, a paixão ardente - Napeus, guia nos vales - Gemon, era o carregador - Licos, o fanático e foi transformado em lobo - Fereus, guia das bestas - Petreu, guia nos rochedos - Lamis, o guia das covas - Lenóbios, o guia pisador das uvas - Ecirtos, guia satador - Oistros, guia frenético - Pronomios, guia da pastagem -Férespondo, guia das bestas - Ampelos, guia da videira - Cisseus, guia da coroa de heras.

Apreciando a alegria de Dioniso, o vinho, a música e as orgias, os Sátiros o seguiam dançando ao som de flautas, dos címbalos, castanholas e gaitas de foles. Junto também seguiam as Ninfas, os Silenos e as Bacantes carregando troncos de videira, coroas de hera, taças cheias de vinho, cachos de uva e o tirso enlaçado com folhagens. As Bacantes ou Mênades eram as jovens que tomadas por loucura mística, pareciam tomadas pelo deus. Em sua jornada Dioniso castigava severamente todos aqueles que se recusassem a cultuá-lo.

Com grande habilidade de envolver as pessoas, algumas vezes muito teatrais, os Sátiros usavam de sua forte sensualidade como fator de atração. Muito autoconfiantes, não se deixavam afetar pela oposição às suas ideias ou suas ações. Concentrados em seus objetivos, se distinguiam porque acreditavam no seu poder de persuadir as pessoas e na sua capacidade de liderança.

Os Sátiros envelhecidos eram chamados de Silenos, isto porque Sileno era o líder ou pai dos sátiros e silenos, representado calvo e barrigudo, montado num burro onde se equilibrava com dificuldade devido à sua constante embriaguês. Sileno era um descendente de Pã e foi encarregado de tomar conta de Dioniso que o criou junto dos seus filhos Astreu - o brilho estelar, Maron - o cinza puro e Leneus - o vinho forte.

Quando Dioniso cresceu, Sileno se estabeleceu na Arcádia. Seu caráter jovial e brincalhão atraiu a simpatia e o afeto dos pastores, que construíram um templo dedicado a ele. Com sua coroa de hera e uma taça de vinho nas mãos, Sileno era carregado pelos sátiros durante os cortejos e as ninfas admiravam sua bondade. Durante seus momentos de sobriedade, Sileno se tornava grande profeta e sábio. Ele tinha o dom de prever o futuro, porém só revelava a verdade quando estava embriagado sob os efeitos do vinho.

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As estranhas e fascinantes criaturas mitológicas, com a dualidade do seu corpo traduziam a essência da evolução da civilização humana, muitas vezes racional, outras vezes meramente animal. Esse misto humano-animal era comum na mitologia grega e muitas vezes simbolizava exatamente algum aspecto animal da natureza humana. Comumente associados a Dioniso, os Sátiros estão relacionados ao lado instintivo do ser humano.

O mito dos Sátiros está relacionado ao desejo desenfreado, a todos os tipos de excessos e às forças incontroláveis da natureza animal e vegetal. Eles eram a personificação da vitalidade animal, se distinguiam pela impulsividade e eram ligados à luxúria, ao êxtase, sexo e embriaguês. Dos sátiros derivam os termos satirismo ou satiromania, que significa o desejo sexual excessivamente forte nos homens ou uma insatisfação sexual que leva a uma compulsão sexual, assim como a ninfomania está relacionada à insatisfação sexual da mulher.

O êxtase está relacionado à modificação da consciência através de uma experiência que leva a um estado de total ausência de sofrimento, um despreendimento do mundo material que corresponderia a um absoluto sentimento de prazer, orgasmo ou estado de transe. E por derivar-se de uma palavra grega ékstasis, poderia se ter como padrão o transe profético e visões.

Os sátiros apareciam obrigatoriamente nos dramas satíricos, peças leves que o teatro grego apresentava como complemento e alívio cômico de uma trilogia trágica em honra de Dioniso. Nos dramas satíricos, os heróis são sérios mas seus atos são satirizados por comentários irreverentes e obscenos dos sátiros. No entanto, a sátira não está etimologicamente relacionada aos sátiros pois provém do latim, uma mistura de prosa e verso, um gênero satírico ou também satura, um prato cheio de vários tipos de frutos reunidos, abundante, uma saturação.

Na mitologia grega, o bode era associado à depravação, considerado um animal lascivo e desprezível. Hoje tem o simbolismo do bode expiatório, algo ou alguém sobre a qual projetamos o lado inferior de nós mesmos para nos livrarmos da culpa ou culpamos por nossos problemas. Pã mora no domínio mais inacessível do inconsciente.

Os romanos identificaram os sátiros gregos com o deus Fauno e com os faunos. Suas características eram originalmente diferentes, mas a literatura e a arte clássica da Europa moderna trataram os dois termos como sinônimos e misturaram suas características. Os faunos tinham aspecto animalesco mas eram de comportamento digno. Nas traduções do Antigo Testamento, o termo sátiro é às vezes traduzido como demônios ou bodes. No folclore dos antigos hebreus, se'irim era um tipo de daimon ou ser sobrenatural que habitava lugares desolados.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Daimones Coribantes, Curetes e cabiros





Os Coribantes eram sacerdotes de Réia, peritos na arte de trabalhar em metais. Assim como os Curetes e os Cabiros, os coribantes eram divindades misteriosas. Nos seus êxtases sagrados executavam danças e conduziam seus cultos em ritos de orgia, acompanhados por gritos selvagens e a música frenética de flautas, tambores e címbalos. Possuídos pela febre da dança, não realizam suas evoluções segundo uma clara consciência e eram capazes de atrair seguidores embalados por sua música.

Poetas líricos obtinham a harmonia de seus versos embalados pelo Coribantes em suas belas poesias. Daimones rústicos, os Coribantes e os Curetes foram nomeados por Réia para guardar Zeus quando ele ainda era criança. Escondido em uma caverna do Monte Ita em Creta, Zeus era o único filho que tinha sido salvo de ser engolido por seu pai Cronos. Os daimones abafavam o choro da criança com uma dança frenética fazendo ruidos com suas lanças e escudos.

Os Curetes eram deuses das montanhas selvagens e inventores das artes rústicas do trabalho em metal, pastoreio, caça e apicultura. Foram também os primeiros guerreiros armados e os deuses da dança orgiástica da guerra executada pelos jovens de Creta e da Eubéia. Eram nascidos do esperma de Urano juntamente com Afrodite, as Erínias e os gigantes quando Urano foi castrado.

As Hekatérides eram cinco ninfas e estavam relacionadas às danças rústicas. A dança Hekateris envolvia o movimento das mãos e na dança Hekateros os dançarinos saltavam alto batendo os calcanhares contra as nádegas. As cinco irmãs e cinco irmãos eram conhecidos como os Dáctilos ou Daktyloi - Os dedos, porque cada um tinha 10 dedos e juntos somavam 100 dedos. Quando eles se casavam, uniam-se dedo-a-dedo, simbolizando uma união harmoniosa das mãos para construir.

Da união dos Curetes com suas irmãs, as Hekatérides, teriam nascido os Sátiros, as Oréades e as tribos dos Curetes, os primeiros Cretenses. As Oréades eram as ninfas protetoras das montanhas, das cavernas e das grutas. Elas não eram imortais mas tinham vida muito longa e não envelheciam. Com seu dom de curar, profetizar e nutrir, elas agiam sempre em grupo. Eco era uma das oréades que foi privada do dom da fala pela deusa Hera e, desde então, foi condenada a repetir os sons que são produzidos em montanhas e grutas.

Os 100 curetes mais jovens casaram-se com as Melíades que eram as ninfas nascidas do Freixo, uma árvore que simbolizava a durabilidade e a firmeza. Nascidas quando o esperma de Urano fecundou a terra, as Melíades alimentaram Zeus quando ele era criança fornecendo o mel e o leite. Melia, uma das melíades casou com seu irmão Ínaco - deus rio e foram os pais de Io, Foroneu, Egialeu ou Fegeu e Nilodice. Io foi uma das paixões de Zeus e, por isso, foi transformada em novilha. Melia também é citada como mãe de Amico, filho de Poseidon.

As conotações militares do freixo, deu uma suposta origem violenta e belicosa às Melíades e também por serem irmãs das Erínias. Entretanto elas tinham um doce aspecto, pois os freixos também segregavam uma seiva açucarada chamada pelos gregos de Méli ou Mel, considerados pelos gregos como manifestação da ambrosia dos deuses. A espécie de freixo mais comum nas montanhas da Grécia, Fraxinus ornus, é conhecida como "freixo do maná".

Outras Melíades mais conhecidas eram:
  • Hidas, a nutriz e visão
  • Adastréia, a inevitável
  • Idotéia, o saber
  • Melissa, a doce
  • Cinosura, a sagaz e proteção
  • Helice, a alegre
  • Amaltéia, a cura e alívio
  • Adamantéia, a indomável

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Os Daimones em grego significa divindades e eram a personificação dos gênios. A designação de Daimon originou com os gregos na antiguidade e ao longo da história surgiram diversas descrições para esses seres. O nome em latim é dæmon que originou o vocábulo em português demônio e eram considerados intermediários entre os deuses e os homens. Sócrates, que ao contrário de seus colegas sofistas não abriu uma escola e não cobrava por seus ensinamentos, atribuia o que dizia ao daemon, seu gênio pessoal.

O temperamento dos daimones estava relacionado a um elemento natural ou a uma vontade divina. Um mesmo daimon podia designar tanto o bem quanto o mal, conforme a circunstância que influenciasse. No plano teleológico, os gregos falavam de Eudaimons - "Eu" significando o bom e favorável e kakodaimons - "kakos" significando o mal e desfavorável. Por isso, a palavra grega que designa o fenômeno da felicidade é Eudaimonia, ser feliz para os gregos era viver sob a influência de um bom daimon.

O conceito original entre os gregos ainda os conectavam aos elementos da natureza, surgidos em seguida aos deuses primordiais. Assim surgiram os daimons do fogo, da água, do mar, do ar, da terra, das florestas etc. Podem estar conectados aos espíritos que regem ou protegem um lugar, uma cidade, fonte, estrada, etc. Também se relacionam às afetações humanas, do corpo e do espírito, entre eles, o sono, o amor, a alegria, a discórdia, o medo, a morte, a força, a velhice etc.





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Quem sou

Nascida em Belo Horizonte, apaixonada pela vida urbana, sou fascinada pelo meu tempo e pelo passado histórico, dois contrastes que exploro para entender o futuro. Tranquila com a vida e insatisfeita com as convenções, procuro conhecer gente e culturas, para trazer de uma viagem, além de fotos e recordações, o que aprendo durante a caminhada. E o que mais engradece um caminhante é saber que ao compartilhar seu conhecimento, possa tornar o mundo melhor.

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